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Outro massacre de ambientalistas

Vale tudo

Mãe, pai e filha: foram mortos a tiros na primeira semana de 2022, às margens do Xingu, um dos maiores afluentes do Amazonas. “Zé do Lago”, o pai, e sua esposa Márcia se definiam como “cuidadores do meio ambiente”. Há algum tempo, o Brasil está entre os quatro países mais perigosos para a vida dos ambientalistas.
Foto: Gerardo Iglesias

Eles moravam na cidade de São Félix do Xingu, no Pará, um dos estados onde os conflitos pela terra são mais violentos, em decorrência dos constantes ataques feitos por capangas de latifundiários locais e de empresas transnacionais, ou pelas próprias forças policiais e militares.

O Pará tem sido palco de vários massacres, entre eles o emblemático de El Dorado de Carajás, em 1996, quando mais de 150 militares atacaram trabalhadores rurais sem-terra, matando cerca de vinte pessoas, ou o da Fazenda Santa Lucia, em 2017, quando a polícia assassinou dez camponeses.

A Comissão Pastoral da Terra, um organismo do episcopado católico que defende os trabalhadores rurais, coloca o Pará entre os estados onde a única lei em vigor é a imposta pelos poderosos e por aqueles que os protegem, ou seja, as polícias e o militares.

Nem falar em punir os responsáveis por esses massacres e por outros ataques, sejam eles homens uniformizados identificados ou civis «desconhecidos». Dificilmente serão investigados, e quase nunca ou nunca punidos.

Zé do Lago, Márcia e sua filha menor de idade Joene foram baleados por “desconhecidos”, provavelmente entre os dias 6 e 7 de janeiro. No dia 10 encontraram seus corpos. A polícia não tem pistas nem suspeita de ninguém, apesar de os três já terem sofrido ameaças antes por sua luta em defesa do meio ambiente.

«As ameaças, agressões e assassinatos de defensores e de defensoras do direito ao meio ambiente, intimamente relacionados às lutas por justiça ambiental e climática e à resistência dos povos do campo, das florestas e da água, não são casos isolados no Brasil«, denunciou na semana passada, a Anistia Internacional a propósito desse triplo homicídio.

A AI também disse que há no país um «ambiente hostil aos defensores de direitos humanos, ambientalistas e indígenas», alimentado pelo poder político, com seus discursos e práticas.

O Brasil entre os mais violentos

O último relatório da associação Global Witness sobre violência contra ambientalistas no mundo, que coleta dados de 2020, colocou o Brasil entre os quatro países mais violentos nesse quesito, perdendo apenas para Colômbia, Filipinas e México.

Dos 227 defensores do meio ambiente assassinados em 2020 em todo o planeta, mais da metade foram mortos nesses quatro países.

Em 2020, no Brasil, vinte pessoas foram mortas (na Colômbia 65, no México 30). Em 2021, no Brasil, esse número já foi superado: 26 pessoas assassinadas, segundo uma primeira contagem.

São sempre dados aproximativos, certamente por baixo da realidade, afirma a Global Witness.

“As disputas pela terra e a luta contra os danos ambientais – duas das principais causas subjacentes ao ativismo das comunidades – podem ser muito difíceis de monitorar em áreas afetadas por conflitos no mundo”, observa ele.

Há também a ausência de registros independentes, o silêncio cúmplice dos meios de comunicação, a pressão para esses assassinatos, geralmente planificados, serem apresentados como simples crimes comuns.

E a Global Witness aponta para o cerne do problema: o modelo econômico extrativista protagonizado por grandes empresas e por governos, nacionais ou regionais, envolvidos nessa violência.

Nesse modelo, pois, tudo vale.