No início de abril, um tribunal federal argentino emitiu ordem para suspender as fumigações com agrotóxicos em terrenos próximos aos três bairros do município de Pergamino, região localizada a 250 km de Buenos Aires, com base em estudos científicos e nas denúncias de movimentos sociais.
Poucas semanas antes, a justiça tinha emitido uma medida semelhante na província de Entre Rios, suspendendo a pulverização de pesticidas a menos de mil metros de escolas, se fossem pulverizações terrestres, e a menos de 3 mil metros se fossem aéreas.
A sentença proferida mereceu do presidente Mauricio Macri uma consideração absolutamente alinhada com as reações das grandes empresas do setor: ele a classificou como "irresponsável". O governador da província disse a mesma coisa, indignado com o fato de um juiz intrometido bloquear o bom trabalho das empresas que “geram emprego e desenvolvimento para a região”.
Entre Rios e Buenos Aires são duas das províncias com maior produção de soja da Argentina. “Somos, portanto, parte desse mar verde que nos inundou e que veio também acompanhado de outro mar: o dos pesticidas e herbicidas que arruínam a nossa vida”, disse outra integrante da organização Madres de Barrios Fumigados.
A justiça determinou que, em três bairros de Pergamino, a água não pode em hipótese nenhuma ser consumida por nenhum ser vivo, devido ao seu altíssimo grau de contaminação.
Pesquisas universitárias diagnosticaram nessa região a presença de agrotóxicos nos lençóis freáticos, em quantidade superior à aceitável para o consumo humano de acordo com as recomendações da OMS.
Sabrina Ortiz disse ao jornal Infobae que os médicos encontraram na urina de seus filhos níveis de glifosato dez vezes mais altos do que o corpo pode tolerar. “O tolerado é 0,01. Minha filha tem 9,20 e meu filho 10,20”. Na urina de Sabrina, encontrou-se o valor de 4,10, de acordo com cópia dos resultados veiculada pela imprensa.
A filha de Sabrina já foi operada três vezes, para removerem cistos em seus ossos e o filho tem os gânglios dos intestinos e do pescoço aumentados.
Médicos locais disseram para Sabrina Ortiz que não se preocupasse, que provavelmente fosse alguma intoxicação alimentar. Entretanto, como é grande a ocorrência desse tipo de casos – já foram contabilizados centenas, tanto em crianças como em adultos – os médicos se viram obrigados a convocar uma reunião coletiva para tentar convencer os vizinhos de que essas doenças não têm nada que ver com os agrotóxicos.
“Formou-se um discurso protecionista a favor do agronegócio na saúde pública municipal”, escreveu Sabrina Ortiz em seu perfil no Facebook, citada pelo Infobae.
“Quem sofre somos nós, que somos pobres. Há pessoas no bairro que não contam com um serviço social, que não têm nem para comer”, e a indiferença do governo é total.
Outro vizinho disse numa rádio: “a pessoa chega a se perguntar que negócio é que estão defendendo, porque nesse ritmo que a coisa vai, não sobrará uma pessoa para comprar o que as empresas produzem”.
A decisão do juiz federal Carlos Villafuerte Ruzo é bem específica: “Ficam imediatamente suspensas as aplicações de fumigação com pesticidas, herbicidas, inseticidas e/ou qualquer outro tipo de agroquímicos, seja por meio de pulverização terrestre, contendo glifosato como princípio ativo ou ingredientes derivados do mesmo”.
O juiz federal também incluiu em sua proibição outros produtos químicos: Atrazina, Triticonazol, Metolaclor, Acetoclor, Clorpirifos, Imidacroplid, Desetil 2,4D, como também Roundup Full II, Roundup Max II e Roundup Ultramax.
Na Argentina, revela um estudo de Javier Souza, professor da faculdade de Agronomia da Universidade de Buenos Aires, 107 agrotóxicos proibidos na Europa e nos Estados Unidos são comumente aplicados em plantios e em até hortas domésticas. “Um terço deles é altamente perigoso”.
Situações semelhantes acontecem no Brasil, no Uruguai e no Paraguai, em parte também pelo fato de o sul do continente americano ter se transformado no quintal da soja.