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“Defender as abelhas é defender a humanidade”

Durante décadas, Jair Krischke se “especializou” em salvar vidas de perseguidos políticos nos países do Cone Sul latino-americano, quando estiveram dominados por ditaduras. Hoje, com seus mais de oitenta anos, continua denunciando repressões e violações aos direitos humanos seja onde for. Entretanto, hoje trava também um novo combate, intimamente ligado aos anteriores: o da defesa do meio ambiente.

O Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH), sendo Krischke um de seus fundadores em 1979, atualmente luta pela sobrevivência das abelhas, “vítimas, elas também, de um modelo de desenvolvimento depredador”.

“As abelhas dão aos humanos um serviço indispensável: a polinização. Sem ela, não poderia haver agricultura, não poderia haver alimentação. São indispensáveis para a segurança alimentar das populações.

E a segurança alimentar é pilar do direito mais básico, o direito à vida. É por isso que estamos falando de uma questão de direitos humanos”, disse Krischke.

De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Alimentação (FAO), 84 por cento das espécies vegetais e 76 por cento dos alimentos produzidos no mundo dependem da polinização.

Entretanto, as abelhas estão morrendo, em massa, no Brasil, no Paraguai, no Uruguai, na Argentina, e “em todos os países onde o modelo promovido pelo agronegócio, intensivo no uso de venenos como os agrotóxicos, é aplicado de maneira selvagem”.

Obvio que no primeiro mundo também, só que lá, principalmente na Europa, os movimentos sociais e os próprios apicultores já começaram a se mobilizar contra. 

150.000 milhões de euros de prejuízo

O Instituto Nacional de Pesquisa Agronômica Francês estimou em 150 bilhões de euros anuais o custo econômico para a União Europeia (EU), decorrente do desaparecimento das abelhas.

A meados deste ano, apresentou-se perante a UE a Iniciativa Cidadã “Salvem as abelhas”, que planeja proteger o habitat destes insetos, proibindo o uso de alguns agrotóxicos, limitando o uso de outros, estabelecendo áreas de conservação, combatendo as monoculturas e favorecendo a agroecologia.

Se os promotores da Iniciativa Cidadã conseguirem um milhão de assinaturas de cidadãos de pelo menos sete dos 28 países da UE, antes de junho de 2020, a Comissão Europeia estará obrigada a analisá-la em um prazo máximo de três meses.

Por enquanto, a UE decidiu proibir temporariamente o uso de quatro inseticidas (clitianidina, tiametoxam, imidacloprid e fipronil), por serem letais para as abelhas. Vale dizer que todos estão sendo usados livremente na América Latina.

“Meu amigo, o que estamos vivendo no Brasil é terrível. Este governo está batendo todos os recordes que se possa imaginar devido à sua ânsia de apoiar as empresas do agronegócio. Dão a eles tudo o que pedem”, disse Krischke para A Rel.

E exemplifica: “só neste ano foram liberados 269 agrotóxicos, muitos deles proibidos na Europa. Vão liberando, liberando e liberando, porque Bolsonaro prometeu para os empresários tirar tudo que for trava, seja trava trabalhista ou ambiental.

Os produtores de soja são os que mais fazem o que querem, pois para o governo a soja vale mais que as pessoas”.

O pacote da soja

Para Krischke, os pacotes tecnológicos associados à produção intensiva de soja – que imperam nos campos do Cone Sul latino-americano – são as causas da mortandade massiva das abelhas na região. Ele também destaca que as associações ambientalistas e os pesquisadores independentes fazem essa mesma constatação.

No mês que vem, começam a preparar a terra para a produção de soja, e os apicultores estão muito preocupados, porque nada indica que as coisas realmente mudem”.

Só em outubro de 2018 e em março de 2019, considerando apenas o estado do Rio Grande do Sul, morreram umas 500 milhões de abelhas. “500 milhões, você consegue imaginar? Depois que chegamos a esta cifra, paramos de contar, porque já era um absurdo”.

Mata, Santiago, Jaguari, Campo Novo, Cruz Alta, núcleo da produção de mel do estado, estão entre as cidades mais afetadas.

Krischke ia visitar Mata junto com uma delegação de seu movimento, dias atrás, mas as chuvas torrenciais o impediram.

O MJDH se mobilizou em parceria com a APISBio (Articulação pela Preservação da Integridade dos Seres e da Biodiversidade, da qual a Rel UITA faz parte) para “tentar frear a mortandade destes insetos fundamentais para a vida”, disse Krischke.

Apresentaram-se ao Ministério Público Federal, perante a promotoria nacional e estadual, e conseguiram estabelecer uma “zona de exclusão” para o uso de certos agrotóxicos. Foi um primeiro passo.

Agora pretendem ampliar esta região. “Essa é a ideia, mas vamos conversar antes com os apicultores. São eles os que têm a última palavra”.

Jair Krischke observa que estamos em uma corrida contra o tempo. “O mais urgente é parar isto, mas de fato essa questão só será mudada quando for outro o modelo de produção”, disse.