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Com Claudelice Santos

Os incêndios na Amazônia e o fator Bolsonaro

Claudelice Santos é uma feminista e ativista ambiental oriunda do Pará, um dos estados mais violentos e onde mais se matam defensores dos bens comuns no Brasil. Nesta entrevista. Claudelice fala sobre as queimadas na Amazônia e sobre a vulnerabilidade de todo aquele que ousar denunciar os crimes ambientais ou as violações dos direitos humanos no país.

-O que você pode dizer sobre a situação na Amazônia?
-As queimadas de parte da Floresta Amazônica não são uma coisa nova. Sempre houve desmatamento e desde que tenho memória sempre houve uma permanente degradação do meio ambiente.

Pessoas denunciando estes atos, sempre houve. Contudo, a maioria delas foi morta, assassinada por quem só quer aumentar o seu lucro graças aos recursos naturais, que são os nossos bens comuns.

A Amazônia está completamente ferida, destruída, e não é de agora. O que há de novo é que hoje os destruidores têm carta branca.

Foram legitimados e até mesmo incentivados pelo Bolsonaro. Criaram um grupo de WhatsApp, chamado “dia do fogo”, integrado por latifundiários da região, com o propósito de coordenar as queimadas. Foi assim de simples e sinistro.

Queimaram as regiões que tinham planificado queimar, incluídas as terras públicas, e tudo com o aval do presidente, que depois teve o descaramento de dizer que não estava sabendo de nada. Logo foi desmentido pelo Ministério Público, que encontrou provas de que houve um alerta sobre o episódio três dias antes.

Então, a irresponsabilidade deste governo é descomunal.

Defensores indefesos

-Neste panorama, qual é a situação dos ativistas e dos defensores?
-Entre os defensores do meio ambiente e dos direitos humanos, há uma crescente vulnerabilidade, que não é apenas simbólica, mas real.

Vivemos com um medo permanente, porque está sendo produzido um desmonte dos sistemas de proteção dos defensores dos bens comuns. Eu me refiro ao sistema institucional, e isso na prática se estende a outros âmbitos.

Recebemos ataques de vários lados, porque graças ao discurso de Bolsonaro, os grileiros, garimpeiros, madeireiros e demais usurpadores se sentem legitimados a abrir fogo contra quem quer que se opor ou denunciar seus crimes.

Meu estado, o Pará, é campeão em assassinatos de lideranças sociais, sindicalistas e ambientalistas. Isto não é uma novidade. O que acontece agora é que este povo tem carta branca para atuar.

Tanto o ecocídio como o genocídio estão legitimados.

Se antes a impunidade imperava, agora ela é rainha e senhora.

Mas este tipo de ações, infelizmente, não se limita aos territórios do Amazonas. Esta violência exacerbada também é vivida nas favelas, nas comunidades indígenas e em todo o país, porque se traduz em política de estado.

O próprio presidente nega os direitos humanos, mas só os nega para os pobres, para os negros, para as mulheres, e não para as “pessoas de bem”, como ele disse.

Então, esse discurso violento está permeando a sociedade brasileira, com pessoas que se sentem no direito de tirar a vida de outras, simplesmente porque sim, porque Bolsonaro lhes deu a possibilidade de andar armados, então este país se converteu numa verdadeira terra sem lei.

O povo terá que acordar

-Vão oito meses de governo e a sensação de quem vê de fora é que o desmonte dos direitos e das instituições do Estado é vertiginoso, e que o povo está em estado catatônico...
-Há como uma espécie de hipnose geral, é certo. A situação hoje é muito complexa e se por um lado existem explicações para a chegada de Bolsonaro ao poder, até agora me custa digerir como esse ser nefasto conseguiu ser presidente de meu país.

A primeira coisa que fazemos, muitos de nós brasileiros, é ver na imprensa qual absurdo, qual estupidez, qual violência, qual falta de respeito o presidente disse hoje.

-Como sair disso?
-Para mim, a saída é a revolução do povo, que é o mais afetado pelas políticas deste governo. Quando as pessoas perceberem de fato o que está acontecendo, quando tomarem consciência, aí sim sairão às ruas.

A ficha já caiu para muitos dos eleitores de Bolsonaro. Mas, estão numa bolha de vergonha, porque o que sentem é isso, vergonha.

Depois, há outros que só vão perceber quando virem que todos os seus direitos foram retirados, seja com a reforma trabalhista, seja com a reforma da previdência social, ou com os cortes na educação, na saúde, etc.

Isto da Amazônia faz parte de todo um esquema maior de destruição, generalizado, que estão fazendo.

O povo foi gestando um ódio contra a esquerda, que o cegou, uma perseguição ao comunismo como se o Brasil, em algum momento, tivesse sido comunista. Nem chegou perto de ser.

Nos governos do PT houve sim um progresso em políticas sociais dirigidas aos mais carenciados, entretanto foram governos que estiveram muito longe do socialismo, e mais ainda do comunismo.

-Isso evidencia a falta de politização de muitos brasileiros e brasileiras...
-Sem dúvidas, mas essa ignorância política também nos levou a um nível de intolerância contra toda pessoa que pensar diferente, acabando com qualquer tipo de diálogo.

Quando as medidas que estão sendo tomadas pelo presidente impedirem o povo de comprar pão ou leite para seus filhos, aí então acredito que Bolsonaro cairá.

A Amazônia será o início desta queda, tenho certeza.