“Como ponto de partida, é importante fazer uma autocrítica”, assim começou dizendo para A Rel a presidenta do Comitê Latino-Americano da Mulher (CLAMU) da UITA, e integrante do Comitê Diretivo Estratégico da Internacional (CDE), que no dia 6 de dezembro passado se reuniu em Buenos Aires.
“Fizemos algumas coisas erradas, outras não soubemos compreender bem. Isso abriu caminho para a extrema-direita chegar ao governo por uma via antes não considerada. Souberam agir de forma inteligente, e consequentemente de forma mais perigosa. E nós temos que entender isso”.
Para Alonso, a direita se apropriou da bandeira da luta contra a corrupção e tem se utilizado de sua enorme influência sobre os meios de comunicação para gerar opiniões bastante favoráveis ao seu jogo: opiniões de descrédito, onde todo mundo vale a mesma coisa, e que só um salvador messiânico será capaz de tirar a sociedade deste estado.
-Não há uma visão clara de quem é o adversário...
-Exatamente. Tudo é motivo de dúvida e de desconfiança. As próprias organizações sindicais se viram reféns dessa maneira de pensar, gerando um caos tão grande fazendo com que as pessoas não acreditem mais em nada nem em ninguém.
-Querem propostas mágicas.
-A sociedade acaba optando por soluções simples para problemas complexos. Por isso, surge esse apoio em grande escala a quem nos diz que vai acabar com a delinquência matando todos os delinquentes, como disse Jair Bolsonaro no Brasil ou como afirmou Patricia Bullrich, ministra da Segurança aqui da Argentina.
Nós, as organizações sindicais, não enxergamos a tempo este sistema, esta maneira de pensar que faz com que lutemos uns contra os outros, dentro de nossas próprias organizações, transformadas em um montão de centrais, atomizadas.
-Na reunião do CDE da UITA, você sugeriu retornarmos às nossas origens, às fontes do movimento sindical.
-Falei de voltarmos à ideologia de classe, da necessidade de nos sentirmos trabalhadores e de gerarmos maior empatia com o operário.
O problema é que o trabalhador e a trabalhadora também não se identificam com sua organização sindical, não acreditam mais nos sindicatos. Daí que há que repensar o movimento trabalhador a partir de uma nova postura.
Quando apareceu Donald Trump nos Estados Unidos todos rimos: um cara como ele não é perigoso, nunca vai chegar ao poder, diziam. A mesma coisa aconteceu com o Bolsonaro. Ambos chegaram.
E aí estão estes especuladores da alma, que com a Bíblia nas mãos, conseguem manipular os votos de seus fiéis, aproveitando-se das misérias das pessoas mais pobres.
-Como você faz o seu trabalho sindical para enfrentar este estado de coisas?
-Tento, partindo de problemáticas diárias, dentro e fora do trabalho, fazer com que os trabalhadores e as trabalhadoras possam ir desmontando o discurso que recebem constantemente, elaborado pelos meios de comunicação, em especial pelas redes sociais.
Muito poucas vezes os dirigentes assumem a tarefa de alertar sobre a existência destes discursos, suas intenções, objetivos e origem. Qual a intenção da mídia, da direita, dos empresários, quando querem nos vender um kit de segurança (grades, armas, etc) para enfrentar problemas que passam por outro lado e que vão criando um estado de ânimo que nada tem que ver com a liberdade?
O sistema capitalista nos fez acreditar que o nosso trabalho é a nossa razão de ser. E esta é uma grande mentira. Eu sou uma mulher livre que escolhi ser dirigente sindical, mas isso não quer dizer que eu me defina pelo meu trabalho.
Eu sou muito mais do que isso. E é esse o sentido de liberdade e de complexidade que precisamos recuperar.
O movimento operário deve estar engajado nesta linha, entendendo a complexidade da nossa visão de trabalho, sem por isso abandonar a luta pelas necessidades mais básicas.
-Estamos ainda engatinhando.
-Sim, claramente. A América Latina sempre foi um laboratório para as direitas políticas e sociais do mundo. Nos anos setenta conseguiram impor um modelo, bem como nos noventa, e agora novamente.
Aqui na reunião do CDE da UITA foi dito que tanto na América do Norte como na América do Sul enfrentaremos problemas comuns. E é certo. Será preciso criar pontes para enfrentarmos juntos tudo aquilo que pudermos, mesmo cientes de que as coisas não nos atingem da mesma maneira. É crucial entender isso para gerarmos mudanças.
Eu acredito nas revoluções que vêm de baixo. As grandes mudanças começaram nas bases e não com os iluminados. É preciso fazer com que as bases consigam ir modificando a sua maneira de ver as coisas.
As grandes mobilizações de agora não partem dos movimentos operários, surgem das organizações sociais, por exemplo, o movimento das mulheres. São eles que estão gerando consciência. E por quê? Porque seus objetivos são muito claros para todos.
-Quais os atuais pilares do CLAMU?
-Principalmente a questão da violência, um problema primordial para a América Latina.
Somos a região com os maiores índices de feminicídio do mundo, e não vemos nenhum avanço importante a esse respeito.
Às vezes nos iludimos com planos governamentais que parecem poder gerar políticas de Estado, mas que acabam não saindo do papel. Na Argentina o orçamento destinado a esta problemática sofreu uma redução de 70 por cento, eliminando a possibilidade de aplicar qualquer medida.
Nós do CLAMU estamos tentando estar presentes em diversos países para articularmos ações e promover a adoção de leis. No ano que vem participaremos da Marcha das Margaridas, que carrega consigo uma força bem particular.
Em outras regiões, estamos lutando para assinar um convênio na OIT sobre violência e assédio no mundo do trabalho, questão de vital importância para nós. Em 2019, haverá uma nova fase de negociação em Genebra, e estamos motivando nossos companheiros e as companheiras para trabalharem com este objetivo junto aos seus governos.
De maneira geral, as organizações sindicais precisamos assumir o protagonismo em assuntos como o da violência contra as mulheres, gerar em elas maior empoderamento, participação e poder de decisão.
Mas, também é preciso desconstruir estereótipos: acabar com essa ideia de que a mulher participa e decide apenas sobre “questões de mulheres”. Devemos estar em tudo, inclusive nas negociações coletivas, por exemplo.
Mulheres e homens precisam lutar juntos. Eu, como dirigente sindical, defendo todos os trabalhadores, sejam homens, sejam mulheres, migrantes, gays, lésbicas. Como dirigente, preciso saber qual é o PIB do meu país, de minha região, conhecer as leis, em que pé anda a economia, para poder discutir de igual para igual com os empresários.
Essa equiparação na formação é o que permitirá uma real equidade.
Custará anos mudar tudo isto, no entanto, é preciso fazer muito barulho já agora. Precisamos de muita determinação para que essas mudanças ocorram.