Conforme informações do jornal El País Brasil, durante uma operação, que começou na madrugada de 3 de março, os inspetores desmantelaram um sistema de trabalho em condições análogas à escravidão, envolvendo duas das maiores cervejeiras do mundo, as transnacionais Ambev e o Grupo Heneiken (Kaiser Brasil), além de uma empresa de transporte subcontratada por ambas, a Sider, que empregava diretamente estes trabalhadores.
As empresas deverão pagar às vítimas 657.270 reais (125.000 dólares) de indenização por danos morais.
Os migrantes, 22 venezuelanos e um haitiano, viveram durante meses (alguns mais de um ano) na cabine dos caminhões que estacionavam nas sedes da Sider em Limeira e Jacareí, no interior de São Paulo.
Trabalhavam durante jornadas extenuantes e sem nenhum dia de folga. Além disso, não tinham acesso à água potável. Também pagavam taxas extras e/ou eram descontados para, por exemplo, receberem as roupas e os calçados usados no trabalho, ou nacionalizar a carteira de motorista.
Vários trabalhadores resgatados relataram algumas das situações de abuso vividas: “Se sua carga cair, será descontada do seu salário. Se o pneu furar, também será descontado e se você se queixar, dizem: ‘Se você não estiver satisfeito, volte para a Venezuela e morra de fome’.
A legislação brasileira estabelece que corresponde à Heineken e à Ambev supervisionar o cumprimento das obrigações trabalhistas da terceirizada (Sider). Portanto, também serão responsabilizadas pelos trabalhadores escravizados.
De acordo com o relatório da auditoria, ambas as empresas atuaram com “cegueira deliberada ao ignorar a devida verificação do cumprimento” das leis por parte da empresa terceirizada, com o objetivo de obter benefícios “em detrimento das normas de proteção trabalhista”.
Conforme declarações da inspetora de Trabalho Lívia dos Santos Ferreira ao El País Brasil, a responsabilidade dos empreiteiros “decorre do fato de a Lei de Subcontratação os obrigar a garantir as condições de saúde e segurança dos trabalhadores que lhes prestarem os serviços”.
Portanto, “a extenuante jornada de trabalho e as condições degradantes por não terem alojamento, por exemplo, são condições que deveriam ter sido controladas pela empresa contratadora (Ambev e o Grupo Heineken)”.
Sem direito a descanso nem a dias de folga
Os trabalhadores eram submetidos a jornadas extenuantes ao volante, sem descansos, colocando em risco suas vidas e as de outras pessoas, afirmam os inspetores.
Entre as principais infrações comprovadas e que corroboraram a tese de condições análogas à escravidão neste caso estavam “a supressão do descanso semanal remunerado” (dias de folga) e a pausa entre uma viagem de entrega e a próxima viagem que, conforme a legislação, deve ser de 11 horas.
“Os resultados das condições de trabalho em que se encontravam foram o aumento do número de acidentes de trabalho e, principalmente, o aumento nas doenças ocupacionais, provocando inclusive mortes e suicídios”, afirma o relatório dos auditores.