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A máfia das certificadoras

Se por casualidade, você entrar em uma cafeteria da Starbucks, uma avalanche de cartazes destacará a responsabilidade social da transnacional, bem como a sua preocupação com o meio ambiente, com os camponeses, e com a qualidade do produto. Você também verá que tudo isso está devidamente certificado: selos, muitos selos, carimbando as boas novas a serviço do capitalismo.

Agora em abril de 2018, em Brasília, a Confederação Nacional de Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais (Contar) organizou um seminário nacional. Nessa atividade, uma pessoa falou sobre as certificadoras que desembarcam no Brasil para verificar se os produtos agropecuários provêm de ambientes saudáveis, e se os trabalhadores e as trabalhadoras são pessoas felizes e agradecidas.

Tenho certeza de que esse homem não estava preparado para receber a enxurrada de críticas que lhe choveram.

Jorge Ferreira dos Santos, coordenador da articulação de assalariados rurais de Minas Gerais, com respeito às certificadoras, me disse então: “são uma de nossas maiores preocupações, chegam do exterior e muitas vezes certificam um produto que procede de fazendas que praticam trabalho escravo”.

“Até 2015, não tínhamos ideia dessas certificadoras. Depois que denunciamos a presença de trabalho escravo em 12 estabelecimentos produtores de café, descobrimos que parte desse café estava certificado e comercializado pela Nestlé. Foi aí que investigamos o assunto”.

Um dos estabelecimentos que praticava trabalho escravo – contou Jorge Ferreira dos Santos – tinha sido inclusive premiado pela qualidade de seu café.

“Vimos que o estado atual das certificadoras favorece os produtores e não os trabalhadores, como deveria ser. Os empregadores enganam as certificadoras e as certificadoras são pagas para enganar, em detrimento dos trabalhadores e das trabalhadoras”.  

José Silva, conselheiro do Sindicato dos Trabalhadores e Assalariados Rurais de Tocantins, também nos comentou: “trabalhei na região sul da Bahia onde se produz cacau. Por minha própria experiência, posso garantir que as certificadoras desconhecem por completo a realidade dos trabalhadores e das trabalhadoras que produzem cacau, portanto não poderiam certificar nada”.

Oferecem um selo certificador, agregando valor ao produto em questão e a todos os seus derivados na cadeia produtiva, mas para a base da pirâmide, ou seja, para os trabalhadores, que são os responsáveis de que este produto seja comercializado, é como se não mudasse nada.

É costume maquiar os estabelecimentos para receberem a certificadora, e assim obterem o certificado. Em seguida, voltam a ser o que eram antes.

Adorar santo, não faz de você um santo

Na semana passada, no interior do estado de Minas Gerais, foram resgatados 18 trabalhadores e trabalhadoras de uma fazenda de café chamada “Córrego das Almas”.

Como nas lojas da transnacional norte-americana Starbucks, também havia nesta fazenda várias certificações internacionais, entre elas uma da própria Starbucks, que recentemente assinou uma aliança de comercialização com a Nestlé.

Em uma placa se dizia: “Não se permite trabalho escravo ou forçado”. “Porém, abrimos exceções”, deveriam ter acrescentado.

“Nessa fazenda, nós trabalhadores não recebíamos pelos feriados, nem pelos domingos, nem nada. Trabalhávamos de segunda a sábado, sem marcar as horas. Entrávamos às 6 da manhã e só parávamos às 17h”, afirmou à ONG Repórter Brasil um dos trabalhadores resgatados.

“Tinha muito morcego e rato. A gente comprava comida e os ratos comiam. Aí, tinha que comprar de novo”, denunciou outra ex-trabalhadora da fazenda.

Melhor que o Diabo assuma logo o controle

Em agosto de 2008, em Rondon do Pará, 32 trabalhadores foram encontrados em condições análogas à escravidão e liberados. A carne que consumiam estava cheia de insetos, e a água que bebiam era escura, terrosa e contaminada pelos animais. O nome da fazenda: “Fé em Deus”. Outros proprietários, o mesmo perfil: abnegados, crentes e misericordiosos empregadores.

Por mais imagens de santos penduradas por todas estas fazendas, por mais que seus nomes invoquem ao Senhor e à Santa Irmã do Café Divino, e mesmo que as certificadoras excomunguem os proprietários sem alma nem escrúpulos, há que entender que a exploração e a escravidão fazem parte do DNA do capitalismo agropecuário brasileiro.  

Não há exorcismo que consiga expulsar tais demônios. Por enquanto.