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Com Neesa Medina

Violência contra as mulheres alcança nível epidêmico

Apesar da redução no número de feminicídios, aumentam absurdamente os atos de violência contra a mulher

O Observatório da Violência da Universidade Nacional Autônoma de Honduras (UNAH) estima que em 2016 umas 463 mulheres morreram de maneira violenta. Durante o primeiro semestre de 2017, pelo menos 188 mulheres foram vítimas de feminicídio.

A Comissão Nacional de Direitos Humanos de Honduras (Conadeh)1 estima que 4.787 mulheres foram assassinadas entre os anos de 2006 e 2016, isto é, uma a cada 17 horas. A cada meia hora uma mulher, criança ou adolescente é vítima de estupro no país.

70 por cento dos assassinatos foram praticados com armas de fogo, entretanto, mais da metade das vítimas tinham de 15 a 29 anos, sendo a maioria dos agressores pessoas bem próximas delas.

Em 2013, ano recorde em feminicídios em Honduras, o país alcançou o patamar de 14 assassinatos por cada 100 mil mulheres. Esta alta taxa de feminicídios foi catalogada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como sendo já uma epidemia.

Porém, a tragédia vivida diariamente pelas mulheres é tão preocupante quanto as mortes violentas por feminicídio.

O Cedij2 registra anualmente mais de 20 mil casos de violência doméstica e se calcula que uma quantidade parecida nem chega aos órgãos competentes.

Das mais de oito mil denúncias por delitos contra as mulheres, apresentadas em 2016 perante o Ministério Público, 39 por cento têm que ver com violência intrafamiliar e mais de 17 por cento com lesões e estupros.

O Centro de Direitos das Mulheres (CDM) adverte que a partir de 2009 houve um forte aumento no número de mulheres, de jovens e de crianças desaparecidas. Depois de 2013, mais de 400 mulheres por ano desapareceram sem deixar rastro.

“Os feminicídios diminuíram, mas isto não significa que a violência contra as mulheres tenha diminuído. Se realmente quisermos entender a dinâmica da violência de gênero, devemos ampliar a nossa visão e ir ao cerne desta tragédia”, disse para A Rel Neesa Medina, do Observatório de Violência contra as Mulheres do CDM.

Cai o número de feminicídios
Intensifica-se a violência

De acordo com a ativista, a queda no número de mortes violentas de mulheres se deve essencialmente a três variáveis.

A primeira tem que ver com a quantidade crescente de mulheres desaparecidas por ano, seja porque ocultaram seu cadáver ou por ser vítima de tráfico de pessoas para a exploração sexual.

Uma segunda variável está relacionada com a estratégia do crime organizado, as maras3, que emprega – e, portanto, “protege” – as mulheres, utilizando-se delas para a vigilância de territórios, a extorsão ou a exploração sexual dentro dos presídios.

Um terceiro elemento tem que ver com o fato de as próprias mulheres fugirem da violência sofrida.

As mulheres abandonam tudo e fogem, preferivelmente para os Estados Unidos. Sabem que a probabilidade é altíssima de sofrerem na viagem algum tipo de abuso sexual4, por isso, antes de viajarem se injetam anticoncepcionais. Este é o nível de terror presente em nosso país: as mulheres preferem fugir sabendo que serão estupradas na viagem a continuar morando em Honduras”, advertiu Neesa Medina.

O cerne da violência
Militarização e miséria

A violência de gênero não pode ser entendida se for observada como um fato isolado.

A violência – garante Neesa Medina – começa no momento em que são permitidas outras formas de discriminação e de exclusão social, em uma sociedade profundamente machista, fortemente armada e com a impunidade já garantida.

“Não podemos combater a violência de gênero sem combater a desigualdade, a miséria e a desnutrição. E não são soluções os programas assistencialistas criados por governos que se utilizam da fome das pessoas para proveito próprio.

A desigualdade é combatida com mais justiça social e questionando os privilégios de uns poucos mantidos às custas da miséria da imensa maioria”, garantiu Neesa Medina. Para ela, a militarização da sociedade e a impunidade são outro caldo de cultura da violência.

“Vivemos em um país onde há 1,5 milhão de armas de fogo. Destas, apenas 250 mil são armas legais. Há mais de 600 empresas de segurança particular e os militares se encarregam da ordem pública.

As mulheres estão aterrorizadas, porque sabem que a vida em Honduras não vale nada e preferem fugir. Há que desarmar o país e acabar com a impunidade”, enfatizou.

Diante desta situação, em várias ocasiões as organizações de mulheres e de feministas, reunidas no Movimento 25 de Novembro, se mobilizaram, exigindo justiça para as vítimas e punição para os assassinos e agressores. Também exigem maior acesso aos dados sobre feminicídio e maior transparência sobre as verbas destinadas à investigação dos feminicídios.

Além disso, essas pessoas estão trabalhando em uma proposta de lei integral de combate à violência contra a mulher.

“É uma lei muito completa, nascida do movimento de mulheres e centrada na prevenção. Sua aprovação será um grande avanço”, concluiu Neesa Medina.


1- http://conadeh.hn/wp-content/uploads/2017/04/Informe-Anual-2016.pdf
2- Centro Eletrônico de Documentação e Informação Judicial
3- Organizações do Crime Organizado
4- Um Relatório da Anistia Internacional revela que 80% das mulheres que emigram por via terrestre enfrentam algum tipo de abuso sexual durante a viagem.