20140318 lacteos 3er congreso

    • Versión Español

Tue23072024

actualizado al04:35:02 PM GMT

O sucesso de uma estratégia coletiva
Rel-UITA
Argentina
3ª CONFERÊNCIA
Com Ron Oswald
Setor de laticínios da UITA
O sucesso de uma estratégia coletiva
Esta foi uma Conferência "Plus"
20140505-ron610-2
Foto: Nelson Godoy
Durante a 3ª Conferência do Setor de Laticínios da UITA, realizada em Sunchales, Argentina, A Rel dialogou com Ron Oswald, secretário geral da Internacional. Uma longa conversa onde foram analisados os resultados da Conferência, a atualidade do setor na UITA, a relação com as transnacionais, a crua realidade europeia atual, as possíveis estratégias para enfrentar as corporações, a crise vista sob a ótica dos trabalhadores, o imprescindível compromisso do estamento político com os objetivos populares...
-Qual é a sua avaliação para esta Conferência?
-Esta 3ª Conferência possui dois aspectos que merecem ser destacados: um, muito importante, é a presença de tantas delegações internacionais num evento tão relevante para Sunchales, para Atilra e para a região, como foi a inauguração deste formidável Centro Educativo Tecnológico.
Todos estamos muito impressionados com o compromisso da Atilra com a saúde e a educação da comunidade, indo além do seu papel primário que é a defesa dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras do setor.  
Acredito ter sido uma honra para todas as delegações poderem participar de um momento histórico como este, que também consolida a imagem que a Atilra ocupa mundialmente no seio de nossa internacional.

Este empreendimento está destinado a irradiar sua influência não só na região de Sunchales ou na Argentina, mas também regionalmente, em toda a América Latina, visando à capacitação no setor de laticínios.
Por isso podemos dizer que esta foi uma “Conferência Plus”

-Qual foi o segundo aspecto a se destacar?
-A confirmação do acordo para a abertura de um espaço político na UITA para a organização do setor de laticínios em nível mundial.
Este acordo não só tinha a meta de construir uma rede entre nossas filiadas, como também de focalizar alguns aspectos do setor, dos produtores até a venda dos produtos de laticínio. Nossa prioridade é detectar onde e como a UITA pode colaborar e, neste caso, é pressionando os interesses patronais internacionais.
Um setor em poucas mãos
Crescente presença das empresas transnacionais

Neste setor –como em outros- o crescimento dos interesses das transnacionais é insaciável, com consequências sobre a terra, sobre a genética animal, sobre o emprego na indústria, sobre os produtos. Um setor cada vez mais concentrado em um menor número de companhias.
Para a UITA, esta conferência é um momento muito importante para monitorar em que ponto estamos com estas transnacionais, decidir como vamos nos organizar e como vamos sindicalizar mais gente nas cadeias destas transnacionais.
É difícil porque em alguns países sempre é muito dispendioso organizar sindicatos, há situações nas quais a própria vida da pessoa depende desse trabalho, e isso condiciona todo o resto.

-Qual poderia ser a estratégia para enfrentar essa concentração?
-Montar uma rede internacional para que, quando um sindicato do setor tiver um problema, esse seja um problema de todos e assim enfrentar juntos as transnacionais envolvidas.
Ao mesmo tempo, como todo sindicato, temos que lutar para sermos reconhecidos por estas empresas, porque temos condições de discutir com aqueles que estiverem exercendo os mais altos cargos hierárquicos nas tomadas de decisões.

-Você pode nos dar alguns exemplos?
-Neste momento estamos travando uma luta muito importante com a Nestlé. Estamos discutindo com esta empresa em uma mesa de negociações em nível mundial.
Também estamos discutindo com a Danone e com a Unilever, empresa que também está presente no setor de laticínios, e temos a intenção de alavancar outras iniciativas em várias empresas para que reconheçam sindicalmente a UITA.
Apesar de o mais importante continuar a ser o que acontece nas fábricas, nas comunidades, em quais tipos de luta existentes nestes níveis poderemos pressionar e abrir espaços para organizar sindicatos.
Mais sindicatos, mais poder
A necessidade de intensificar a luta

-Qual foi a principal contribuição desta Conferência para o setor?
-Acredito que saímos desta atividade com uma ideia mais clara de quais são as prioridades e para onde vamos, nos próximos dois ou três anos.
Temos uma boa ideia de em qual nível estamos organizados em cada uma das principais empresas internacionais do setor. A meu ver, em três anos precisaremos fazer outro balanço e comprovar que crescemos, porque o poder só vem da organização sindical e precisamos de mais sindicatos.
-Há situações muito díspares neste aspecto...
-Em algumas empresas estamos trabalhando com o conceito de 100 por cento de filiados. A neozelandesa Fonterra, por exemplo, tem 50 fábricas espalhadas pelo mundo, das quais 48 delas já estão filiadas a nós.
 
As duas restantes ficam em Sri Lanka, onde creio que no próximo ano teremos um sindicato, e na Arábia Saudita, onde provavelmente passará um tempo longo antes de podermos nos organizar sindicalmente. Algum dia será, mas parece que não será logo.
Pretendemos fazer a mesma coisa com a Danone, que comprou uma empresa na Rússia, chamada Unimilk, com um forte histórico de repressão, inclusive física contra os trabalhadores, com perigo para a sua integridade.
Ninguém quer trabalhar nesta empresa com medo de represálias. E não é para menos: antes da aquisição pela Danone, o gerente de Recursos Humanos da Unimilk havia sido o chefe da Segurança
A Unimilk tem 28 fábricas na Rússia, na Ucrânia e na Bielorrússia, com aproximadamente 14 mil funcionários.

Estamos trabalhando com a Danone para ter todas as fábricas sindicalizadas no ano que vem. Não será fácil, porque é muito provável que a Danone realize uma reestruturação e tenho o temor de que fechará algumas de suas fábricas.
De qualquer maneira, percebemos que esta relação no mais alto nível com a Danone é útil porque, apesar de continuarem algumas pressões, pela primeira vez haverá sindicatos nessas fábricas.
Uma conjuntura adversa
A necessidade de uma esquerda diferente e séria

-Quais são os principais pontos focais da UITA neste momento?
-Eu estou sindicalizado desde 1969, quando era maleiro no aeroporto de Londres.
Nunca, em todo este tempo, tive a sensação de estar trabalhando em um contexto político tão difícil como o de agora. Vocês no Uruguai são muito privilegiados, porque a situação política mundial está muito ruim.

Há uma maioria de governos de direita com uma visão doméstica e internacional neoliberal, mas também há governos de esquerda, ou de centro-esquerda, que implementam a mesma política neoliberal.
É um momento onde não só precisamos lutar para ter sindicatos, mas também, em minha opinião, para ter uma política econômica e social de uma esquerda muito mais séria do que a que existe atualmente.
A ditadura financeira
A democracia fragilizada

Nos anos 60, quando fui politicamente ativo, pensávamos que fazíamos política para conseguir a sociedade que queríamos, e que a economia era o instrumento para construir essa sociedade.
Agora é francamente o contrário: a economia, o mundo financeiro, diz para o sistema político que tipo de sociedade podemos ter.
Os partidos socialdemocratas tradicionais estão em uma armadilha: podem ganhar as eleições, mas no dia seguinte o mundo financeiro impõe a agenda, marcando os limites de ação de qualquer governo.

Em princípio, o sistema democrático garante aos cidadãos o direito de decidir como querem viver, mas agora esse direito está cada vez mais recortado. De maneira simplificada, acredito que é o principal problema que temos no mundo.
-Como as corporações financeiras exercem esse poder?
-Por exemplo, agora há países que recebem uma qualificação de certas agências internacionais, como a Moody´s entre outras, e isto pode condicionar toda a política de um governo. 
Seria como um tipo de ONG situada nos EUA, controlada por um setor financeiro que dita para os governos como devem funcionar as suas economias.

Isto não é democracia, é a ditadura financeira. Eu acredito que é uma crise fundamental da esquerda. Falta uma resposta para estes processos. Por isso, precisamos trabalhar com a UITA, não apenas num nível tradicional sindical, mas também lutar politicamente para mudar esta realidade atual.
Se isto acontece, acredito que os jovens europeus continuarão captando que é a mesma coisa votar em um partido ou em outro; a consequência disso será a abstenção, o que significa a ascensão da extrema direita.
Na Europa, temos agora um perigo muito forte de que este vazio, esta falta de esperança, sejam explorados pela extrema direita na França, na Holanda, nos países nórdicos, na Inglaterra, na Grécia, para alcançarem o predomínio político.
Mudar o modelo agroalimentar
Uma via para gerar mais e melhores empregos

-Como a pessoa comum vive isso?
-A nível econômico, os trabalhadores vivem em uma permanente reestruturação. Ninguém pode dizer agora onde estará trabalhando em pouco tempo, se é que terá trabalho.
No setor alimentar, por exemplo, acredito que se não mudarmos o sistema de alimentação mundial, será possível produzir mais alimentos, mas não serão criados mais empregos.
Precisamos analisar como gerar um sistema alimentar sustentável, que produza alimentos saudáveis, mais amigáveis com o meio ambiente, e também que gere emprego de qualidade.

Junto a esta tendência de redução global de empregos, une-se a precarização do trabalho. Quando entrei na UITA eu tinha 35 anos.
Tenho certeza de que, se naquele momento tivéssemos feito uma pesquisa perguntando aos trabalhadores quais eram os cinco principais desafios da organização, talvez um ou outro trabalhador tivesse identificado a luta contra o trabalho precário. Mas hoje, se fizéssemos a mesma pesquisa, a enorme maioria colocaria a luta contra o trabalho precário como um dos cinco principais desafios.

O conceito de um trabalho decente permanente – não falamos de emprego para toda a vida- é cada vez menos comum entre os trabalhadores. A UITA, em seus congressos de 2007 e de 2012, colocou este assunto praticamente como o mais relevante para se debater e analisar.
A precariedade não é apenas um assunto econômico, é também de direitos. Por exemplo, uma trabalhadora terceirizada pela Manpower ou por qualquer outra empresa, que direito real tem de se sindicalizar? É mentira. É letra morta.
Se um trabalhador estiver 20 anos terceirizado, com um contrato que se renova a cada dia, não tem direito real a se organizar em um sindicato e, mesmo se existisse, não valeria nada, pois com quem ele negociaria?
A precariedade é uma ameaça real contra o direito humano de se sindicalizar.
A luta sindical e a luta política
Mais Estado, políticas públicas e coordenação global

-Só a luta sindical basta para mudar esta realidade?
-Muitos destes objetivos não podem ser cumpridos se não houver apoio político.
Não podemos imaginar que ganharemos todas estas lutas como a do trabalho precário ou contra o poder dos grandes centros comerciais que pressionam a nossa gente na cadeia de produção, sem a intervenção positiva de um Estado que aprove normas, que as promova e que controle a sua aplicação.
E ainda, sem uma intervenção política mundial, poderemos ganhar batalhas -como as que ganhamos com a UITA- mas seguiremos perdendo a guerra.

Precisamos construir uma aliança de governos progressistas, realmente de esquerda, para poder confrontar os poderes globais. Tenho sérias dúvidas de que um governo isolado consiga fazê-lo.
 
Rel-UITA
7 de maio de 2014
Share |