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Uma bancada bem enraizada

A Bancada Ruralista não só defende, como também tenta ampliar os atuais privilégios dos grandes latifundiários brasileiros, sacrificando para isto a maioria da sociedade. Como seus integrantes são eleitos a cada quatro anos, a pergunta a se fazer é se depois das próximas eleições a bancada contará ou não com a mesma quantidade de integrantes.
Um novo capítulo

O projeto conhecido como Pacote do Veneno ou dos agrotóxicos (ver Promotores do veneno) foi aprovado por uma comissão no dia 25 de junho de 2018, por 18 votos contra 9, e passou ao plenário da Câmara dos Deputados do Brasil.

Partidos da oposição, diversas organizações sociais, instituições como o Ministério Público Federal, o Instituto do Câncer e a organização das Nações Unidas (ONU) se opõem fortemente ao Pacote do Veneno devido a que a proposta de flexibilizar a atual legislação – já bastante deficiente – teria como resultado, entre outras coisas, um aumento no uso dos agrotóxicos e a liberação de alguns venenos atualmente proibidos no país.  

Trata-se de um novo capítulo de uma longa história, que vem sendo protagonizada há tempos pela Bancada Ruralista.

Engavetado durante 14 anos, o Pacote do Veneno foi ressuscitado pelo atual ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Blairo Maggi, o maior produtor individual de soja do mundo, responsável por cerca de 22% da produção de grãos do Estado de Mato Grosso, do qual foi governador.

Senador federal, em 2002, apresentou o Projeto de Lei 6.299/2002, atualmente rejeitado. Em 2010, foi eleito novamente senador e em maio de 2016, assumiu como ministro da Agricultura do governo de Michel Temer, após o impeachment da Dilma Rousseff.

Em abril de 2016, nas vésperas da votação do impeachment da Dilma, que levaria o Temer à presidência, a Bancada Ruralista, naquele então transformada em Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), junto com o Instituto Pensar Agro (IPA), entregou ao Temer, de forma totalmente descarada e oportunista, um documento chamando Pauta Positiva – Biênio 2016/2017I.  

Além de exigirem para o setor o cargo de ministro do Ministério da Agricultura, o documento solicita, entre outras coisas, uma normativa que facilite o trabalho escravo (mal endêmico no meio rural brasileiro), a flexibilização das normas para a preservação da natureza e do ambiente, a venda de terras para estrangeiros, o perdão aos juros das milionárias dívidas dos produtores com o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Fonrural) e a liberação dos agrotóxicos.

Em total, eram dezessete os assuntos prioritários para os ruralistas, dos quais Temer já os satisfez em treze.

Temer, um ano mais tarde, com graves denúncias que justificavam um pedido de destituição feito por parte de alguns parlamentares e por boa parte da população, se viu obrigado a negociar com o Congresso a sua salvação.

Buscando aliados, recorreu à FPA para evitar que a acusação de corrupção que pairava em suas costas fosse transferida para o Supremo Tribunal Federal.  

Com 263 votos contra 227, dos quais a metade veio da FPA, Temer continuou governando o país (com uma taxa de aprovação de apenas 3%) e em dívida com seus salvadores.

É então quando reaparece o Projeto de Lei 6.299/2002 o “Pacote do veneno”.

A irônica democracia das elites

O Brasil não conta com uma tradição democrática. De fato, manteve ao longo dos anos a característica de possuir elites com uma grande capacidade para atravessar diferentes governos sem perder nada de seu poder nem de seus privilégios. E este caso não será a exceção.

Buscar alguma faísca de democracia no debate feito no Congresso para analisar o “Pacote do veneno” é perder tempo. Dos 37 deputados que integravam a comissão especial que o aprovou, 20 pertencem à FPA, e para que o debate fosse ainda mais “democrático”, elegeram como relator do projeto um comerciante de agrotóxicos!

Chama-se Luiz Nishimori e possui em Marialva (interior do Estado do Paraná), Mariagro Agricultura e Nishimori Agricultura, empresas que comercializam e prestam serviços relacionados com sementes, fertilizantes e agrotóxicos.

Antes de entrar para a política, era produtor de soja e dentro dos 2,5 milhões de reais em doações ao Nishimori durante sua última campanha eleitoral, destacam-se as contribuições da Cooperativa Agropecuária e Industrial e da Integrada Cooperativa Industrial. Detalhe: ambas figuram na lista de comerciantes de agrotóxicos.

Além do PL 6.299/2002, Nishimori é relator de outros 15 projetos de lei, oito deles vinculados aos interesses dos ruralistas, chegando em um dos projetos a querer limitar, em algumas circunstancias, a venda de produtos orgânicos.

Para completar, a vice-presidenta da Comissão, a deputada Tereza Cristina, é também presidenta da FPA.

O Projeto de Lei passou ao plenário de Deputados onde o Brasil ostenta um recorde mundial: dos seus 513 deputados, 178 (35%) respondem a ações penais ou a investigações judiciais, e deles 68% (32,8%) são integrantes da FPA.

A FPA

Os assuntos relacionados com o trabalho rural ou com a distribuição de terras, são dois exemplos da quase total ausência de políticas públicas no Brasil.

E em um cenário onde predomina o coronelismo – latifúndios dedicados fundamentalmente à agricultura e à pecuária, destinadas ambas à exportação – não é casual que surjam políticos com interesse pessoal (ou a “serviço de”) empenhados em impedir qualquer iniciativa que signifique um avanço social ou que vá contra os interesses do agronegócio.

A história da economia brasileira tem sido pautada durante mais de quatro séculos pela ocupação e pela exploração eminentemente rural, em mãos de latifundiários e a serviço da monocultura.

Portanto, os interesses de quem possui propriedades de terra estão por cima dos demais interesses, mesmo depois de ocorrida a industrialização no Brasil e inclusive atualmente, posto que o dinheiro do agronegócio se expandiu a outros setores da produção nacionalII.

Por outro lado, com o surgimento de grandes plantações de soja e de algodão, e com a grande procura pela carne para a exportação, milhares de empresas do setor urbano, incluindo as mais diversas indústrias, bancos, empreiteiras, comerciantes, ex-donos de supermercados e diversos fundos de investimentos, investiram – e estão investindo – no campo. Finalmente, é a bancada ruralista quem cuida e representa os interesses deste grande conglomerado.

Neste contexto, durante a Assembleia Nacional Constituinte de 1987, estabelecida com o objetivo de elaborar uma constituição democrática depois de 21 anos de ditadura militar, surgiu a União Democrática Ruralista – associação civil fundada em maio de 1985, por grandes latifundiários – com a missão de eliminar do texto constitucional a Reforma Agrária.

Aprovada a Constituição de 1988, a bancada ruralista se manteve atuante até 1994, e em 1995, seus deputados e senadores assinaram a ata de constituição da Frente Parlamentar da Agricultura.

Em 2005, com o objetivo de se adequar às normas da Câmara de Deputados, foi criada a Frente Parlamentar de Apoio à Agropecuária. Em 2008 passou a ter a sua atual denominação: FPA.

Segundo a publicação do Estadão/BroadcastIII  de 29 de julho passado, a atual representação política do agronegócio chega a 210 deputados e a 26 senadores (41% do total de deputados e 32% do de senadores) pertencentes a 18 partidos.

Nem todos os deputados que são fazendeiros são membros da Frente. Porém, outros que não são ruralistas votam com a FPA. Em casos pontuais, a Frente realiza alianças, por exemplo, a feita com a Frente Parlamentar Evangélica para aprovar o novo Código Florestal, e a feita com Jair Bolsonaro, ex-militar e atual candidato presidenciável, que defende o critério de “nem um centímetro a mais” para as terras indígenas e quilombolasIV.

Além da ruralista, existem outras bancadas que superam os partidos. A mais numerosa é a dos “parentes” (parlamentares com familiares que ocupam cargos eletivos), com 238 integrantes; a seguir está a das empreiteiras e da construção civil com 226; a empresarial com 208; a evangélica com 197 e a da bala (defende o direito ao porte de armas pela população civil e frequentemente vem aliada com a dos ruralistas) com 35.

Menos rentáveis economicamente, estão a bancada dos direitos humanos com 23 integrantes e a da saúde, com 21.

A Frente é forte em algumas comissões do Parlamento. Na de Agricultura, de seus 82 integrantes, 83 pertencem à Frente, incluindo seu Presidente; na de Meio Ambiente, 19 de 36; na de Constituição Justiça e Cidadania, 57 de 132; na de Trabalho Administração e Serviço Público, 26 de 52 e na de Segurança Social e Família, 43 de 108.

Instituto Pensar Agro

Os ruralistas sempre querem mais. Não satisfeitos com terem imposto o atual ministro da Agricultura e derrubado dois presidentes da Funai continuam exercendo pressão para que o governo substitua os gabinetes do organismo do Estado que não contemplem suas reivindicações.

A mão invisível e a cabeça pensante por trás da FPA é o Instituto Pensar Agro (IPA), responsável por convertê-la na bancada mais bem organizada do Congresso.

Fundado em 2011, com sede em um luxuoso bairro residencial do Lago Sul em Brasília, o IPA congrega 40 organizações representativas do empresariado rural, as quais além do pagamento de suas cotas, arrecadam doações de diversas transnacionais (de sementes, agrotóxicos, maquinaria, etc.).

Assim reconheceu o diretor executivo, o engenheiro agrônomo João Henrique Hummel Vieira, à publicação A Pública.

Com a mesma cara de pau com a que em outro momento tentou votar em uma comissão de deputados sem ser deputado, admitiu que o IPA recebe dinheiro da Cargill. “A empresa contribui com as associações e elas pagam o instituto e não tenho nenhuma vergonha em afirmar isto”, manifestou.

Hummel define o IPA como uma “central de inteligência, geradora de ideias para os deputados e senadores membros da FPA, destinadas a ‘modernizar’ a legislação com relação ao trabalho rural, à posse da terra, em questões tributárias e indigenistas”.

Com um orçamento anual próximo a um milhão de dólares, o IPA oferece quadros técnicos e políticos para assessorar os parlamentares da FPA, além de facilitar a logística e a estrutura física, assim como aquelas questões, com seus respectivos dados e argumentos, a serem discutidas no Congresso.

Em conflito com as organizações ambientalistas, as defensoras da Reforma Agrária e dos Direitos Humanos, o IPA coincidindo com a Bancada da Bala, defende o uso de armas em defesa da propriedade privada contra invasões e deixa claro que seus adversários principais são os índios, os quilombolas, o MST e as ONG internacionais, que na opinião do Hummel, trabalham para entorpecer o agronegócio brasileiro em favor dos países europeus.

As eleições de outubro

O IPA e a FPA se esforçam por melhorar a imagem de seus mandantes por meio de campanhas como “Agro: a indústria-riqueza do Brasil”, que financiava com a contribuição da JBS (a maior empresa do mundo em produtos de origem animal) permaneceu na TV durante dois anos.
 
Como assinalamos anteriormente, a maior parte da produção dos grandes latifundiários se destina à exportação e como esta não se vê afetada pela crise interna, as vendas de commodities no mercado internacional continuam fortes e lhes permite somar mais pontos ao PIB (Produto Interno Bruto);

Com este argumento, os grandes latifundiários se apresentam como os “salvadores da pátria”.

Don Miguel de Unamuno garantia que “o homem não é filho da pátria, a pátria é filha do homem”.

Da mesma forma, muitas das injustiças do Brasil atual são filhas das políticas classistas e anacrônicas que durante séculos beneficiaram a burguesia coronelista que, entre outras coisas, buscam não aplicar o imposto às grandes fortunas (Art. 153 da Constituição Federal), o não pagamento de tributos sobre as exportações, passando pelo descumprimento do Imposto Territorial Rural.

Assim são as coisas. Os benefícios de uma minoria são mantidos sacrificando os interesses da maioria da população, situação que deveria começar a mudar nas eleições nacionais do primeiro domingo de outubro.

Assim que soubermos quantos integrantes a nova bancada ruralista terá, saberemos quantos peões votaram por seus patrões e capangas.


I Para acessar o documento:
http://infograficos.estadao.com.br/politica/eleicoes/2018/os-donos-do-congresso/agro

II Ver “A influência da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) na legislação e na formulação de políticas públicas direcionadas às pessoas que trabalham no meio rural” Sheila Stolz e Carolona Flores, em periódicos.ufc.br/nomos/article/view/20522

III http://infograficos.estadao.com.br/politica/eleicoes/2018/os-donos-do-congresso/agro

IV Em todas as colônias americanas houve regiões de fuga e de resistência dos escravos. No Brasil e no Rio da Prata se chamavam “quilombos”, enquanto que em outras regiões do continente eram conhecidos como “palenques”. O mais famoso refúgio da América Latina foi o Quilombo dos Palmares, no Brasil, então colônia portuguesa. Tinha uma população de 15 mil escravos rebeldes e se manteve durante quase todo o século XVII. As tropas reais portuguesas utilizaram 6 mil soldados e precisaram de dois anos para acabar com o Quilombo dos Palmares.
Os dados sobre o parlamento brasileiro foram retirados do site De Olho nos Ruralistas, de 13 de julho de 2018.