-Como você avalia esta reunião do CEL?
-Foi muito positiva. As resoluções e a agenda da UITA me encheram de esperanças, principalmente no que tange ao Brasil e ao movimento LGBTI.
Veja que o meu país é o lugar do mundo que mais mata pessoas LGBTI, no entanto, o movimento sindical ainda está engatinhando em tudo o que tem a ver com a questão LGBTI.
Sem dúvida nenhuma, que uma organização como a UITA tenha o Brasil como foco é muito importante para nós, por tudo o que estamos vivendo.
-Principalmente, agora com a nova conjuntura...
-O cenário é complexo e pessimista, além de incerto. Não sabemos o que vai acontecer, mas sim sabemos que serão tempos de luta e de resistência.
-Como os sindicatos da sua região enfrentam a não obrigatoriedade do imposto sindical, introduzido na reforma trabalhista de 2017?
-Claro que nos sentimos afetados, porque passamos de ter uma arrecadação fixa e certa à necessidade de solicitar de cada trabalhador e trabalhadora que façam a sua contribuição. Num contexto de crise como o vivido no país, com milhões de desempregados, esta tarefa se torna bastante difícil.
A reforma trabalhista tinha como objetivo principal aniquilar as organizações sindicais, e estão conseguindo. E agora nós precisaremos resistir, lutar e trabalhar para reverter essa realidade.
-O avanço da bancada evangélica, que apoiou o presidente eleito Jair Bolsonaro, não é particularmente auspicioso para a comunidade LGBTI.
-Sabemos que o discurso do novo governo é de confronto com as minorias, em especial com a comunidade LGBTI.
Bolsonaro ganhou as eleições em base a preconceitos e a fake news, como o famoso Kit Gay, portanto vamos ter que nos unir, nos reinventar e fortalecer a organização. E, sem ficarmos nos lamentando, temos que agir.
Os sindicatos devem se organizar para lutar, ocupar espaços, levantar a voz e mudar a nossa realidade. Devemos estar abertos para receber todos e todas que queiram lutar pelos seus direitos, sem distinção de gênero ou raça. Isso é basicamente o que temos que mudar.
-Parece que agora além de ofender as famílias e a Deus, as pessoas LGBTI ofendem toda a estrutura do governo...
-Sim, o panorama está bastante complicado. É como voltar ao ponto de partida. Um dia você está lutando pelos seus direitos e avançando em políticas públicas que garantam pelo menos o mínimo para a comunidade LGBTI, e no dia seguinte você acorda e tudo aquilo que você conquistou está novamente em perigo.
Sem falar que pessoalmente, eu represento tudo o que há de “errado” para este governo: sou mulher, negra, LGBTI, sindicalista. Eu me converti em um alvo em movimento, à espera para ser abatida (risos). É tudo muito louco.
As pessoas me dizem: “você vai ter que deixar de fazer isto ou aquilo” e eu respondo: bom, então terei que deixar de existir. Porque, não posso deixar de ser eu mesma.
-Na sua percepção, a comunidade LGBTI está com medo ou você enxerga uma postura de luta?
-O medo sempre esteve presente. O que aconteceu foi que nos últimos anos, com o avanço das políticas de equidade, era mal visto no Brasil quem fosse homofóbico. Hoje em dia é o contrário, a pessoa homofóbica é aplaudida e são criados grupos anti-homossexuais.
Sem dúvida, que o discurso de ódio e de intolerância contra nós terá repercussões negativas, piores do que as já existentes. Se já nos matavam aos milhares, agora tudo isso vai se intensificar, porque as pessoas que pregavam o ódio contra os LGBTI agora se sentirão apoiadas pelo Estado, e não medirão suas ações porque se sentirão impunes.
Entretanto, não podemos voltar atrás, não podemos nos esconder. Temos que continuar em frente, apesar do medo e da violência. Já não podemos esconder o que somos. As flores que já se abriram não podem voltar a se fechar.
-Você acha que houve progresso na sensibilidade com o coletivo a partir deste espaço do CEL, e que está havendo outra receptividade dos companheiros e das companheiras?
-Acho. A empatia de nossa secretária geral Sue Longley com os problemas e desafios que surgem no ambiente de trabalho para as pessoas LGBTI é um fator muito importante.
Tanto na primeira reunião da qual participei, a última Conferência Regional, onde estava bastante sozinha e isolada, e até mesmo no grupo dos sindicalistas brasileiros, eu noto mudanças positivas.
A Rel-UITA nos deu um espaço que fomos ocupando com trabalho e novas reuniões. A convivência nestes momentos faz com que os estereótipos cheios de preconceitos se desfaçam. Somos muito mais do que pessoas LGBTI: somos sindicalistas, trabalhadores e trabalhadoras, enfim seres humanos.
Sentimos o carinho e o abraço da UITA. Primeiro, o meu sindicato me abriu um espaço e depois a Regional me apoiou afetuosamente.
A UITA forma parte importante de minha vida e de minha história.
Em Buenos Aires, Gerardo Iglesias