Empresa do grupo JBS, líder mundial no setor de proteína animal, a Seara foi condenada em primeira instância na Justiça do Trabalho ao pagamento de R$ 10 milhões por expor empregados do frigorífico de Rolândia (PR) ao risco de contaminação por covid-19.
Além de fixar a indenização por dano moral coletivo, a sentença também determina que a Seara adote uma série de medidas para conter a disseminação da doença - como a realização de testes, o distanciamento social e o fornecimento diário de máscaras PFF2 ou N95 a trabalhadores separados por distância inferior a um metro.
Em nota, a Seara afirma que vai recorrer da decisão e que não comentará processos em andamento. A companhia sustenta ainda que adotou um "robusto protocolo de controle" durante a pandemia e que contou com consultoria especializada do Hospital Albert Einstein. Além disso, diz ter investido R$ 323 milhões "em medidas, sistemas e processos de saúde e segurança em todas as suas instalações.
"Um frigorífico é um ambiente frio, fechado, com baixa taxa de renovação do ar, onde as pessoas trabalham muito próximas umas das outras", descreve Heiler Natali, procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) responsável pela ação que resultou na condenação da Seara.
"É claro que essas condições favorecem enormemente o contágio de qualquer síndrome respiratória", acrescenta.
No curso do processo, uma perícia foi realizada em novembro de 2020. O relatório técnico afirma que no setor de evisceração, por exemplo, "os empregados trabalhavam tocando uns aos outros o tempo todo, pois o espaço físico é bastante limitado”.
A perícia também aponta que "nos ambientes reportados com grande aglomeração, os trabalhadores utilizavam apenas máscaras de tecido". Segundo o relatório, a Seara teria descumprido seus próprios protocolos ao deixar de fornecer máscaras do tipo PFF2, mais eficazes, aos funcionários em postos com espaçamento inferior a um metro. Além disso, os equipamentos de proteção eram substituídos em média a cada dois dias e meio.
A planta de Rolândia conta com cerca de 3,5 mil empregados. A sentença cita 159 diagnósticos confirmados de covid na unidade. Isso equivale a 4,7% do total de empregados - proporção bem superior à taxa de contaminação de 2,6% da população geral de Rolândia.
Foram registrados ainda 1.118 casos suspeitos no frigorífico. No entanto, a sentença afirma que a Seara não só deixou de fazer testes em massa, como também afastou funcionários comprovadamente contaminados por prazo inferior ao exigido pelas autoridades de saúde - em alguns casos, por apenas quatro dias.
"A JBS [dona da marca Seara] tem um lema que diz que a saúde é inegociável. Se fosse inegociável, ela aceitaria testar as pessoas suspeitas de contaminação, mas ela não fez nada disso", afirma o procurador Heiler Natali.
Dois trabalhadores do frigorífico faleceram em decorrência de covid. Porém, não é possível cravar que eles tenham contraído a doença na unidade de Rolândia.
Para justificar a sentença, a juíza da ação argumenta que "a conduta omissiva e reiterada da ré pode contribuir para o adoecimento dos milhares de trabalhadores da unidade produtiva localizada nesta jurisdição, bem como de seus familiares e, por extensão, trazer riscos evidentes ao município”.
A condenação da Seara acontece no momento em que o governo federal, com apoio de grandes empresas do setor de abate de animais, vem puxando um processo de revisão da Norma Regulamentadora (NR) 36.
O documento de responsabilidade do Ministério do Trabalho e Previdência prevê uma série de regras para orientar a operação dos frigoríficos e proteger a saúde de seus 550 mil empregados em todo o país.
O setor é um dos campeões nacionais em acidentes e doenças ocupacionais. Segundo os dados oficiais mais recentes do Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho, relativos a 2020, o número de ocorrências em frigoríficos alcançou um total de 21,5 mil - média de 59 registros para cada dia do ano.
"O MPT observa, com profunda preocupação, movimentos de redução dos custos das empresas, em detrimento da proteção da saúde dos trabalhadores, tanto em relação à pandemia de covid-19, quanto em relação à revisão da NR 36", afirma nota assinada por procuradores do Projeto Nacional de Adequação das Condições de Trabalho em Frigoríficos.
No final de janeiro, o Tribunal Regional do Trabalho da 10ª região atendeu a um pedido liminar (emergencial) do MPT e suspendeu temporariamente o processo de revisão da NR 36.