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Medida agrava riscos colocados pela pandemia

PL retira pausas térmicas dos trabalhadores de frigoríficos

No epicentro mundial da pandemia de Covid-19, trabalhadores em frigoríficos no Brasil podem ficar sem pausas de recuperação ao frio, medida mais importante de proteção à saúde no setor.
Foto: Marcelo Camargo - Agencia Brasil

Estamos vivendo, em razão da pandemia de Covid-19, o maior colapso da saúde pública, e possivelmente, a maior crise sanitária da história do Brasil, com a média móvel superior a 2.500 mortes ao dia e possibilidade de atingirmos, em curto período de tempo, a triste marca de 500 mil óbitos.

Mas o país corre mais um risco: o de entrar para a história como a primeira e única nação que, estando no pico e no epicentro da pandemia, caminha para a supressão da mais importante medida de proteção à saúde dos trabalhadores em frigoríficos assegurada pelo artigo 253 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT): as pausas de recuperação térmicas. A medida está prevista no Projeto de Lei de nº 2.363/11, que atualmente tramita na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara Federal.

A organização do trabalho em frigoríficos caracteriza-se pelo trabalho penoso, ritmo intenso, baixas temperaturas, umidade, posturas inadequadas, deslocamento de cargas, riscos de vazamento de amônia, amputações, exposição a agentes biológicos, dentre outras, cumulando inúmeros fatores de risco à saúde humana.

Apesar dos avanços obtidos nos últimos oito anos, os frigoríficos brasileiros ainda figuram como uma das atividades industriais que mais geram acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, em cada ano, como pode se ver no Anuário Estatístico de Acidentes de Trabalho (AEAT) da Previdência Social.

Analisando de outra maneira, o cenário permaneceu desfavorável, pois entre as 669 atividades econômicas apresentadas no AEAT, o setor de abate e processamento de suínos, aves e pequenos animais, bem como o de bovinos estão entre as dez atividades que mais causaram acidentes em 2019. Ao somar todas as atividades da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) apresentadas no AEAT, os frigoríficos (CNAEs 1011, 1012 e 1013) ocuparam a terceira posição no ranking de acidentes de trabalho e o segundo lugar no que se refere aos adoecimentos.

Somente em 2019, nos frigoríficos brasileiros, ocorreram, a cada dia, 62 acidentes de trabalho ou doenças ocupacionais, totalizando 22.757 agravos à saúde, em um setor que emprega cerca de 530 mil trabalhadores e é marcado por elevados patamares de subnotificação de doenças ocupacionais.

O perfil dos acidentes e doenças do trabalho no setor de frigoríficos, possíveis de serem verificados nos dados do Observatório Digital de Saúde e Segurança do Trabalho (ODSST), revela que as lesões mais frequentes no setor e os afastamentos previdenciários com reconhecimento da relação deste com o trabalho estão diretamente ligados à organização e gestão do trabalho.

No período de 2012 a 2018, os afastamentos por acidente de trabalho em frigoríficos mais frequentes foram as doenças osteomusculares e do tecido conjuntivo, seguido das fraturas e dos traumatismos.

Não obstante, verifica-se forte tendência de retirada de parâmetros mínimos de proteção à saúde dos trabalhadores em frigoríficos. Em apenas oito meses, o Ministério Público do Trabalho expediu duas notas técnicas sobre a matéria – a primeira em julho de 2020, em face a Medida Provisória de nº 927 e a segunda em março de 2021, no tocante ao citado PL 2.363/11, que altera o artigo 253 da CLT, afetando negativamente também a Norma Regulamentadora 36 que estabelece parâmetros mínimos de saúde e segurança de trabalhadores em frigoríficos.

Trabalhadores ou pinguins?

O projeto de lei em apreço propõe que somente os empregados de setores com temperaturas inferiores a 4ºC ou que se movimentam de um ambiente para outro em temperaturas com variações superiores a 10ºC teriam direito as pausas térmicas. Isso equivale dizer que a grande maioria dos empregados em frigoríficos não teriam esse direito.

Caso aprovado, estaríamos diante do seguinte cenário: mesmo com a manutenção das pausas de recuperação previstas na Norma Regulamentadora 36 (NR 36), empregados, dentre os quais gestantes, poderiam trabalhar até 10 horas diárias, em ambientes com temperaturas de 4,5 a 5 ºC, sem absolutamente nenhum tipo de intervalo de recuperação térmica.

Em outro estudo com 925 trabalhadores de três frigoríficos foi revelado que a chance de um trabalhador que sentia frio ter algum desconforto osteomuscular era duas vezes maior do que um trabalhador que não sentia frio. Dos 730 trabalhadores que desenvolviam as suas atividades em um ambiente artificialmente frio, 73% sentiam desconforto osteomuscular.

Em temperaturas ambientais inferiores a 18ºC, o corpo humano perde calor e para manter o equilíbrio corporal faz ajustes para conservar a temperatura nos órgãos vitais, gerando a vasoconstrição periférica (diminuição do fluxo sanguíneo das mãos, pés, braços e pernas), transpiração anormal, e a redução da capacidade de oxigenação celular dos sistemas osteomusculares, com ampliação dos riscos de lesões, notadamente por esforços repetitivos.

Em decorrência, o frio é fator de risco aos distúrbios osteomusculares, notadamente lesões por esforços repetitivos e acidentes de trabalho, razão pela qual a Instrução Normativa 98/2003 caracteriza o frio como fator de risco.


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