El Salvador | SINDICATOS | TRABALHO DOMÉSTICO

Com Aída Evelin Rosales

“O governo da FMLN fez muito pouco pelas trabalhadoras domésticas”

Nascida na capital, San Salvador, Aída é secretária geral do Sindicato de Mulheres Trabalhadoras do Lar Remuneradas Salvadorenhas (SIMUTHRES, na sigla em espanhol). Trabalha em uma casa particular e depois abraça as tarefas militantes na organização. Em El Salvador, há 120 mil trabalhadores domésticos, dos quais 98 por cento são mulheres. Sobrevivente do conflito armado (1979-1992) que deixou um saldo de mais de 75 mil mortos e desaparecidos, lembra aqueles anos em que o país era um grande vulcão que vomitava chumbo e de um “bom padre” que deu a outra face quando a hierarquia ultraconservadora da Igreja Católica o esbofeteou.

“Nasci em 1970, tinha nove anos quando começou a guerra civil, a violência que todos padecemos em El Salvador, e dez anos quando assassinaram o monsenhor Óscar Arnulfo Romero, em 24 de março de 1980”, começa dizendo em tom baixo.

“Seis dias depois fui ao seu funeral na Praça da Catedral. Meu pai me carregava nos ombros quando começaram as primeiras explosões e disparos. Foi tudo uma grande confusão, pois não se sabia de onde atiravam. As pessoas corriam por todos os lados, muitos tentavam entrar na Catedral. Lembro muito bem de tudo isso. Ficou o rastro de gente, sapatos, bolsas e chapéus caídos no chão.”

Era uma época muito perigosa aquela, na qual só por ler a Bíblia se era perseguido relembra Aída.

Em 1993, uma comissão da ONU identificou os oficiais responsáveis pelas maiores atrocidades em El Salvador.

A maioria era formada pela Escola das Américas, no Panamá. O mandante do assassinato de Arnulfo Romero foi o capitão Roberto D’Abuisson, graduado na citada Escola e reconhecido como o mentor, junto à CIA, dos esquadrões da morte.

Em 30 de março de 1980, dezenas de milhares de pessoas se congregaram na Praça da Catedral. Estima-se que 60 por cento eram mulheres. Houve mais de quarenta mortos e cerca de 200 feridos.

“A guerra marcou o país – continua Aída, ninguém ficou livre da violência. Eu perdi um irmão. Foi morto porque o exército disse que era guerrilheiro. Essa era a desculpa que davam para assassinar qualquer um.”

“Foram tempos complicados e difíceis e de uma violência desmedida. Tiravam as mulheres de suas casas, as estupravam, cortavam seus seios e as desmembravam. Assim atuava o Exército, se você tivesse qualquer vínculo com alguém que estivesse envolvido com a guerrilha, era alvo de todo tipo de violência.

Os que estavam na Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional (FMLN) lutavam por uma causa justa, para nos defender do atropelo brutal que o povo sofria.

Lamentavelmente, desde que é governo, a FMLN parece haver esquecido o sangue derramado nesse tempo e o motivo dessa luta.”

Aída faz uma pausa. Uma careta rápida parece dizer tantas coisas e silenciar muitas outras. O trágico de ontem se ativa com a frustração que deixa aquele que pôde e pouco fez.

Manter a memória do monsenhor Romero é o caminho que ela agora faz para sair da angústia e romper o silêncio.

“Sempre temos o monsenhor Romero presente. Foi um homem que denunciou a injustiça e não se importou em pôr a própria vida em risco. Foi ameaçado, disseram que tinha que deixar de falar tanto e de se colocar ao lado do povo, porém, não se deteve.

Não saiu do país, não se paralisou, seguiu com sua prédica e sua luta, ainda que soubesse perfeitamente que iam matá-lo. Continuou denunciando as injustiças que nesse momento se vivia e que ainda hoje padecemos, sobretudo as mulheres.”

Eu peço a Aída uma foto e ela coloca um avental onde se lê: “Justiça e igualdade para as trabalhadoras domésticas, já!” Sua forma de dizer que a luta continua, apesar da orfandade política.