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“No Brasil há uma legitimação da violência no campo”

A advogada e ativista da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH) Alessandra Farias Pereira, conversou com a Rel sobre a nova onda de violência contra defensores e defensoras do meio ambiente, dos direitos humanos, sindicalistas e povos originários, que ceifou a vida de uma família inteira algumas semanas atrás.
Fotos: CONTAG

O assassinato de Zé do Lago, sua esposa e filha, defensores do meio ambiente, somou-se ao assustador número de mortos há menos de um mês após o início deste ano.

Segundo Alessandra, esse assunto não pode ser discutido sem fazer referência ao golpe constitucional contra Dilma Rousseff em 2016.

“Desde então, houve um escancaramento da violência, do ódio dos latifundiários dirigido aos sem-terra, aos indígenas, aos quilombolas e a quem aparecesse defendendo os direitos humanos e o meio ambiente”, diz.

Dados da Comissão Pastoral da Terra indicam que entre agosto de 2020 e agosto de 2021 houve 30% mais casos de violência em conflitos agrários, com o agravante de que a crueldade nos assassinatos também aumentou.

“A partir de 2016, o número de mortes violentas no campo aumentou não só em quantidade, mas também na crueldade dos agressores: decapitações, corpos enterrados no próprio quintal das vítimas e famílias inteiras chacinadas, como foi o caso de Zé do Lago”, explica Alexandra.

Quando o Estado é cúmplice

Para a advogada, o que tem propiciado o crescimento da violência contra os defensores e as defensoras dos direitos humanos e do meio ambiente é a legitimação e a justificativa que o Executivo federal dá para esses acontecimentos.

“O governo de Jair Bolsonaro tem um discurso que favorece o agronegócio, que não preserva vidas, nem florestas, nem comunidades originárias, nem cultura”, ressalta.

«No Brasil há uma legitimação da violência no campo, amparada pela total falta de iniciativa para punir os responsáveis, e porque em muitos casos é o próprio Estado que exerce violência”.

Sobre o assassinato de Zé do Lago e de sua família, Alessandra informou que não existem indícios de quem foram os autores materiais do crime, muito menos dos mandantes.

A família foi alvejada por tiros na primeira semana de janeiro na cidade de São Félix do Xingú, no Pará, e ao que tudo indica será mais um dos inúmeros casos que permanecerão impunes.

“Além dos assassinatos, que são a última forma de violência, existem outras: ameaças, perseguições, atentados e expulsões contra camponeses e defensores, atacados por pistoleiros contratados por latifundiários, mas também por membros das forças públicas”.

Alessandra lembra de um caso ocorrido em outubro passado, quando policiais militares atiraram contra um grupo de camponeses que se recusava a desocupar parcelas de terra concedidas pela reforma agrária.

O ato foi, além de ilegal, covarde porque os policiais atacaram de um helicóptero com armas de alto calibre. Como resultado, dois camponeses morreram e outros ficaram feridos.
A Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH) nasceu na época da ditadura militar com um trabalho de proteção aos defensores e as defensoras dos direitos humanos.

Ao longo do tempo, foi assumindo também o papel de monitorar e de fortalecer as comunidades atingidas pela violência dos latifundiários e do Estado.

A SMDH atua no processo de emancipação das comunidades e dos movimentos sociais em busca da autodefesa e da prevenção de conflitos no campo.

“Muitas vezes temos que retirar de lá as pessoas que são ameaçadas para evitar que sejam assassinadas. Esse ainda é um dos principais trabalhos que a SMDH realiza. São estratégias de proteção contra as ameaças que nada mais são do que a antessala dos assassinatos”, diz a ativista.

Começou ruim, terminará melhor?

O ano de 2022 começou da pior maneira para os militantes ambientalistas e para os povos originários.

“Mal começou 2022 -continua Alessandra– e já foram 12 casos de violência no campo, com sete assassinatos, o que nos dá uma pauta de como este ano eleitoral será marcado pela violência.

Será a forma do atual governo mostrar que não só tem o controle da estrutura parlamentar, mas também as armas e a força para atacar o povo.

Esperamos que com as eleições o país possa retomar um rumo mais progressista e de defesa dos seus cidadãos. O governo que temos agora é claramente de natureza fascista”, concluiu.

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