SOCIEDADE

“Eu quero ter um milhão de amigos…”

Uma das consequências dos esquemas de corrupção no Brasil foi a gota d’água sobre a participação das grandes empresas, entre elas principalmente, a JBS Friboi, que mata reses e degola políticos ao mesmo tempo.
JBS não ganha para imprevistos e o presidente Michel Temer também não. Mas, ambos estão pagando caro pelos megaescândalos em que estão implicados.  

Um dos últimos golpes que ambos receberam foi a decisão do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, em 22 de junho, de suspender por tempo indeterminado a importação de carne fresca brasileira. 

A medida surge em consequência de um dos vários escândalos que vieram à tona nos últimos tempos, conhecido pelo nome Operação Carne Fraca, deflagrada pela Política federal (PF). 

Esta operação teve início em março de 2017, revelando um esquema de fraude e corrupção envolvendo tanto empresas do ramo quanto agentes do governo responsáveis pelo controle de qualidade da carne.

Inspetores do Ministério da Agricultura eram subornados pelos responsáveis das empresas para liberarem carne adulterada ou em mal estado, permitindo assim a sua comercialização dentro do mercado interno e para a sua exportação. 

Esse esquema não durou muito, gerando péssimos resultados para as empresas, principalmente depois de muitos dos principais países compradores, ChinaEspanhaItáliaAlemanha e Estados Unidos, proibirem o desembaraço de milhares de toneladas de carne importada do Brasil

O governo brasileiro identificou cerca de vinte plantas frigoríficas, pertencentes em sua maioria a megaempresas como a JBSou a BRF, como as responsáveis pela adulteração da carne. Cinco empresas tiveram suas licenças de exportação temporalmente suspendidas. 

O governo também prometeu “maior rigor na vigilância”, mas desde então os serviços sanitários norte-americanos vêm bloqueando a entrada ao país de 11 por cento das emissões de carne fresca brasileira, sendo que os EUA rejeitam em média apenas um por cento das importações deste ramo. 

Na quinta-feira, 22 de junho, os Estados Unidos disseram basta (“Meu dever é proteger os consumidores norte-americanos”, declarou o secretário de Agricultura, Sonny Perdue) e outros países estão estudando imitar esta medida. 

A Espanha, por exemplo, tem retidas, preventivamente para análise, 30 partidas de carne provenientes do Brasil

A JBS pediu desculpas por esses “contratempos” e aceitou pagar uma multa de 3,1 bilhões de dólares, considerada a maior multa da história brasileira.

Delação premiada
E com visto para os Estados Unidos
Só que as coisas não acabam aí. Pouco depois, os diretores da JBS, investigados por sua participação em outros esquemas de corrupção, como o “petrolão” investigado pela Operação Lava Jato e o financiamento ilegal de quase todos os partidos políticos, aceitaram “falar, cantar e dançar se fosse necessário”, e colaborar com a justiça em troca de uma redução das suas penas, além de outros favores. 

Em maio, a imprensa nacional revelou que, graças à “delação premiada”, Joesley Batista, proprietário da J&S junto com seu irmão Wesley, conglomerado que controla a JBS, tinha gravado o presidente Temer em conversações onde ficava claro que o presidente aprovava e incentivava o pagamento de propinas. 

De acordo com Batista, Temer estava recebendo propina desde 2010. Não só ele, mas também cerca de 1.800 políticos de 28 partidos, para facilitar e promover negócios de todo tipo e calibre. Para o esquema funcionar, a companhia chegou a pagar perto de 600 milhões de reais (cerca de 200 milhões de dólares).

Joesley e seu irmão revelaram muitos outros esquemas e foram beneficiados com uma medida estranha, não oferecida a nenhum outro. A justiça aceitou que viajassem a Nova Iorque, onde agora estão radicados. Mais um exemplo da enorme influência dos irmãos Batista nas esferas de poder do Brasil

Entretanto, a JBS não pôde evitar a queda. Desde que estes escândalos vazaram, o valor de mercado da empresa teve uma queda de mais de 2,5 bilhões de dólares. E poderá continuar despenhadeiro abaixo com a suspensão das vendas de carne aos EUA e outros países

É preciso enxugar os gastos. Negociou-se, ao que tudo indica, um plano salvamento com o presidente Temer. O plano compreendia, entre outras coisas, “descapitalizar-se” de uns 6 bilhões de reais (cerca de 1,8 bilhão de dólares). 

Com essa intenção foi que a JBS decidiu, no início de junho, vender todos os seus ativos na ArgentinaUruguai e Paraguai. A transferência de suas operações para o grupo Minerva deveria lhes render uns 300 milhões de dólares. 

Outras iniciativas similares (a venda da sua participação no capital da também brasileira Vigor Alimentos, da britânica Moy Park e da norte-americana Five Rivers Cattle Feeding) deveria lhes render outro 1,5 bilhão de dólares. 

A notícia da venda de seus frigoríficos na ArgentinaUruguai e Paraguai significava passar os frigoríficos de um grande conglomerado brasileiro a outro, ambos pertencentes a uma indústria totalmente “abrasileirada”, o que para os trabalhadores destes três países não era nada tão, tão mal. 

Na Argentina, principalmente, estavam acostumados a que a JBS comprasse suas fábricas para facilmente fechá-las, ou que fizessem as fábricas funcionarem com um mínimo de mão-de-obra, deixando nas ruas centenas de pessoas e acabando com a indústria local. A Minerva talvez não fizesse o mesmo. 

A saída da JBS poderia, também, permitir que investigassem como conseguiram se apropriar de um dos principais frigoríficos argentinos, o Swift Armour, cuja compra, em 2005, tinha sido o primeiro investimento dos Batista fora das fronteiras. 

Pouco depois de adquirir a Swift Armour, a transnacional brasileira deu o grande pulo do gato e engoliu a central da Swift nos Estados Unidos, a Swift Foods, também com o apoio do BNDES.

Simultaneamente, os Irmãos Batista adentravam em outros países latino-americanos produtores de carne, como o Uruguai e o Paraguai, além de aterrissarem na Austrália

Foi assim que a JBS passou a ser a maior empresa processadora de carnes do mundo, com uma capacidade de abate e desossa de mais de 47 mil cabeças de gado por dia

“Alguém neste bendito país, onde não existe a figura do arrependido, deveria estudar o comportamento desta empresa como matriz de corrupção, e ver se essa matriz foi replicada na Argentina”, disse semanas atrás Dardo Chiesa, presidente das Confederações Rurais Argentinas, uma entidade que luta contra os monopólios na indústria frigorífica. 

Mas, parte do plano foi desbaratado, pelo menos por um tempo. Um tribunal de Brasília decidiu suspender a venda das operações do grupo nos outros três países do Mercosul, por considerar que esta manobra dificultaria as investigações judiciais sobre os casos de corrupção envolvendo a empresa. 

Paralelamente, a Procuradoria-Geral da República pediu o congelamento de todos os ativos da empresa e de seus principais acionistas, até que paguem os 255 milhões de dólares ao BNDES, pelos danos causados pela JBS

Simultaneamente, a Polícia Federal fez busca e apreensão de provas de fraude de valores mobiliários na sede do grupo em São Paulo. 

Pouco antes pelas declarações bombásticas de Joesley, a JBS tinha realizado operações cambiais e vendido algumas ações de suas subsidiárias. Os promotores entenderam que desta maneira haviam se beneficiado de informação privilegiada e ganhado indevidamente enormes somas de dinheiro.

 
Temer x Irmãos Batista
Luta livre no ringue
Hoje Temer e o clã Batista declararam guerra. Joesley acusou o presidente de ser “o chefe da organização mafiosa mais importante e perigosa do Brasil” e Temer deu o troco afirmando que havia conseguido desmantelar o projeto da JBS de se mudar para a Irlanda, para evitar os impostos do Brasil que são mais altos e também para escapar da justiça. 

Mafiosos são todos, tinha sugerido tempos atrás Mauricio Mascardi Grillo, um alto funcionário policial que participou das operações Lava Jato e Carne Fraca. 

Praticamente todo o sistema político do Brasil está apodrecido, porque o contubérnio entre funcionários do Estado e empresários para negócios ilegais é das coisas mais comuns neste país”, disse quase nestes termos um analista político brasileiro. 

O poder das empresas (não só da JBS, mas também de muitas outras), nesses contubérnios é gigantesco. Como enorme é a sua incidência na vida política brasileira. 

Um poder adquirido, em grande medida, com o apoio do Estado, mais especialmente do BNDES, o mesmo banco que hoje se queixa de ter perdido dinheiro “por culpa” da JBS, mas que controla 24 por cento de seu capital, conforme destacou recentemente um relatório da revista Galileu. 

Foi esta instituição estatal criada em 1952, e potencializada como o maior banco de desenvolvimento do país pelos governos do PT, que permitiu à JBS crescer e crescer dentro e fora do país, da mesma forma que fez com outras transnacionais “verde-amarelas”, como é o caso da Odebrecht e da Vale do Rio Doce, todas implicadas em megaescândalos. 

Um crescimento que foi-se dando, também, pelas costas dos trabalhadores e de seus fundos de pensão.

 
JBS, uma carniceira a céu aberto
Trabalhadores e trabalhadoras massacrados
Ao mesmo tempo em que é a maior produtora de carnes do mundo, a empresa que mais fatura no Brasil, a JBS é também uma das empresas que mais processos trabalhistas enfrenta no país. 

No início de junho, o jornal Folha de São Paulo informou que em 2016 foram instauradas 34 mil ações trabalhistas contra o grupo, contra as 31.100 do ano anterior

Os processos se devem, em parte, a acidentes de trabalho, que aumentaram 11 por cento de um ano para o outro, chegando a 2.680 acidentes

A JBS atribuiu este dado ao crescimento de seu pessoal, mas o jornal alerta que o número de funcionários do grupo aumentou menos de um por cento no período em questão.  

Esta é uma das piores empresas da indústria da alimentação. O que temos aqui é uma empresa que dita as regras, faz e desfaz contratos, tudo de acordo com sua conveniência”, disse para A Rel, em 2015, Siderlei de Oliveira, presidente da Confederação Brasileira Democrática de Trabalhadores da Indústria da Alimentação (Contac). 

Para Artur Bueno de Camargo, presidente da Confederação Nacional de Trabalhadores da Alimentação (CNTA Afins), “Indigna saber que empresas líderes de mercado nacional e internacional sejam protagonistas de uma prática perversa, colocando em risco a saúde humana, movidos por uma ambição descabida”. 

Práticas ilegais e sem ética também são aplicadas aos trabalhadores e trabalhadoras, que muitas vezes são submetidos a pressão psicológica e a ritmos frenéticos de trabalho, gerando doenças e acidentes de trabalho, tudo em nome da maximização dos benefícios”, afirmou Bueno de Camargo

Se o cenário não é mais patético e cruel, é porque estão os sindicatos atuando, com suas amplas campanhas de denúncia – muitas com o apoio decidido da Rel-UITA – e algumas autoridades, principalmente o Ministério Público do Trabalho (MPT), que cumpre destacada atuação.

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