A sentença ditada pelo tribunal da Califórnia, na segunda-feira, 13 de maio, é fato histórico, não só pela cifra que a empresa, que agora já faz parte do grupo alemão Bayer, deverá pagar para Alberta e Alva Pilliod, indenizados devido às consequências geradas pelo uso sistemático do Roundup (cujo princípio ativo é o glifosato, o herbicida mais popular do mundo), mas também pela forma como foi possível os advogados desenvolverem sua argumentação.
Alberta e Alva Pilliod receberão 1 bilhão de dólares cada um, mais 55 milhões em compensação por perdas econômicas, dano moral e outros prejuízos causados a elas.
“O júri viu com seus próprios olhos os documentos internos da empresa, onde se demonstrava que, desde um princípio, a Monsanto nunca teve interesse em averiguar se o Roundup era ou não era seguro”, declarou Brent Wisner, um dos advogados do casal, após o veredicto no tribunal californiano.
Outro advogado do casal, Michael Miller, completou: “Diferentemente dos dois primeiros processos contra a Monsanto, nos quais os juízes limitaram severamente a quantidade de evidências da promotoria, aqui nós pudemos mostrar ao júri a enorme quantidade de evidencias, provando o quanto manipularam a ciência, os meios de comunicação e as agências reguladoras da empresa, visando a manter sua própria agenda”.
“Em lugar de investir em ciência sólida, investiram milhões em atacar toda e qualquer ciência que ameaçasse a sua agenda comercial”, disse Wisner.
Em um intervalo de poucos meses, essa é a terceira condenação consecutiva sofrida pela transnacional, fundada no início do século XX, em St. Louis, no estado norte-americano de Missouri.
O Roundup, um agrotóxico que a Monsanto se empenha em vender como inócuo, apesar do aumento no número de estudos científicos independentes provando o contrário, também esteve presente na origem das sentenças anteriores.
Só nos EUA, há mais de 13 mil processos em andamento contra a empresa.
Há outros mais na Europa e, quem sabe, alguma vez haverá processos também na América Latina, onde os agrotóxicos, como o Roundup, entre outros, têm feito gravíssimos estragos.
No mesmo dia da sentença emitida pelo júri californiano, a Bayer admitia que, por anos, a Monsanto tinha espionado e criado um arquivo com o nome de personalidades de diversos universos, em função da postura dessas pessoas diante do uso dos agrotóxicos, da produção transgênica, e do modelo agrícola defendido tanto pela Monsanto, como por outras grandes transnacionais do setor, visando a fazer lobby e a gerar pressão.
A confissão foi feita após o jornal francês Le Monde ter publicado uma investigação, revelando a existência de listas secretas feitas pela Monsanto. O próprio autor da matéria investigativa tinha o seu nome nesse arquivo clandestino.
“O que se vê aqui é uma prática totalmente inapropriada”, reconheceu na segunda agora, Mathias Berninger, diretor de Relações Públicas da Bayer.
O jornal Le Monde já tinha entrado com uma ação contra a Monsanto, por “recopilação de dados pessoais por meios fraudulentos, desleais e ilegais.
Essa recopilação de dados foi encarregada a uma agência de comunicações, a Fleishman Hillard, que tinha dividido os espionados em quatro grupos: “aliados”, “aliados potenciais para recrutar”, personalidades “para educar” e outras “para observar”, conforme informou a agência de imprensa francesa AFP.
A Bayer adquiriu a Monsanto em junho de 2018, há quase um ano, por 63 bilhões de dólares.
Convencida de que ganharia prestígio com a compra da Monsanto, a Bayer teve imediatamente que enfrentar os primeiros processos e a multiplicação exponencial de denúncias sobre as práticas da empresa adquirida.
Desde então, “cerca de 45 por cento da capitalização em ações do gigante químico alemão teve forte queda”, assinala AFP.
Nesta terça-feira, 14 de maio, um dia depois da decisão do tribunal da Califórnia, as ações da Bayer caíram 2,55% na bolsa de valores de Frankfurt.