-Qual é a atual situação política do Brasil após as declarações de Bolsonaro?
-Grave, porque minutos antes de o presidente fazer essas declarações sobre a pandemia, o Comandante do Exército, general Edson Leal Pujol, postara um vídeo em que ele se apresenta para dizer que as Forças Armadas estão prontas para combater o avanço do Coronavírus.
Pujol declarou que esta pode ser a maior missão do Exército neste século.
E isso me cheira ao autogolpe de Jânio Quadros. Acho que Bolsonaro saiu dizendo tudo isso para poder fechar o Congresso e se impor como único governante.
Nunca pensei que diria isso na minha vida, mas até agora quem está salvaguardando a democracia no Brasil é o Exército.
-Como você analisa que tenha sido o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, presidente de honra do PSDB, um partido de centro, quem disse ser ‘melhor o fim do Bolsonaro do que o do povo’?
-Acho que fala muito sobre a crise dos líderes políticos da esquerda, da falta de uma figura que reúna e guie o povo.
A oposição brasileira está acéfala.
Que o FHC, um senhor de 90 anos aposentado da política, seja o único que diga o que tem que ser dito, revela claramente uma sociedade que vem perdendo o norte há muito tempo.
Perdeu-se o norte, primeiramente, quando Fernando Haddad, o candidato de última hora do PT para as eleições, obtendo 40 milhões de votos, tenha sido completamente ofuscado por Lula, e novamente quando Ciro Gomes, do PDT, que se posicionava como líder da oposição, tenha decidido naquele então simplesmente desaparecer do cenário, indo para Paris.
Portanto, pode ser algo muito mais complexo do que isso: o que o Brasil vive é uma crise civilizatória, tal como entendia Charles De Gaulle.
-Nós da UITA e nossas organizações filiadas acreditamos que é imperativo formar uma frente ampla multissetorial para tirar Bolsonaro antes que ele extermine o Brasil...
-Seria o ideal, mas infelizmente acredito que o movimento social brasileiro, incluindo a maioria dos sindicatos, perdeu sua força de mobilização.
Perdeu-se a capacidade de organizar as massas que agora se manifestam em grupos autoconvocados sem filiação política ou partidária e que renegam dos políticos.
Aqui temos panelaços contra o governo há nove dias consecutivos, panelaços espontâneos. Só que, por minha experiência nestes tipos de movimentos sociais, e eu poderia até traçar um paralelo com maio de 68 na França, eles, de fato, não levam a nada de concreto.
Muitas das reivindicações daqueles jovens de 68 não foram adotadas, como também acontece agora no Chile.
-Então, você não acredita que esses novos movimentos sociais acentuarão ainda mais as divisões que essas últimas declarações de Bolsonaro provocaram dentro do próprio governo? Não é um sinal claro de que Mandetta, ministro da Saúde, não tenha renunciado após ter se posicionado de forma oposta a Bolsonaro?
-Sem dúvida, chama a atenção, porém tem mais que ver com a cúpula do Exército do que com o próprio povo organizado.
Uma vez que a Constituição brasileira estipula que se um presidente não cumprir dois anos no cargo, novas eleições devem ser convocadas, eu acho que o que eles estavam tentando fazer até ontem era aguentar até dezembro (quando esse prazo for cumprido) para assumir o vice-presidente, o general Hamilton Mourão, evitando assim as despesas que uma nova eleição causaria em uma economia quebrada com 14 milhões de desocupados.
Mas, a partir de agora, realmente não sei o que vai acontecer. Estaremos atentos ao que acontecerá nas próximas horas.
Em Montevidéu, Amalia Antúnez