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Açúcar Nobel, açúcar maldito!

As pessoas de corpos cansados, se cansaram dos maus-tratos e o sindicato mandou que parassem. Foi no dia 28 de fevereiro, no Engenho Taboga, propriedade da família do ex-presidente da Costa Rica e Prêmio Nobel da Paz, Óscar Arias. Ali se corta e se mói cana, e “plantação adentro, as pessoas são sombras e nada mais”, como disse o poeta porto-riquenho.

“Pessoas são sombras
Dentro da plantação, camarada
É onde se vê a verdade
É onde se aprende a verdade
Dentro da folhagem
E da espessura
Onde toda viagem
Leva a amargura
É onde se prova camarada
É onde se aprende a verdade…”
Tite Curet Alonso

 

“Há que parar a exploração já!”, sentencia Saray López, secretária geral do Sindicato de Trabalhadores da Indústria da Cana (Sintraica), organização que integra a Federação Nacional de Trabalhadores da Agroindústria (Fentrag), filiada à UITA.

“Há uns anos houve uma mudança de direção no Engenho Taboga e as condições de trabalho e os salários pioraram.

Então, nós começamos um processo organizativo, sabendo que tínhamos que chegar tanto ao pessoal permanente como ao temporário, contratado pelo período de safra, sendo em sua maioria migrantes nicaraguenses.

Esta situação – continua Saray – fez com que o sindicato, junto com a federação, elaborasse um plano para rever a estratégia sindical, intensificando a campanha de filiação maciça entre os cortadores de cana, que são os que mais sofrem de exploração e de discriminação.

Em menos de três meses conseguimos triplicar a quantidade de filiados”.

No país, há 13 engenhos e, nesses canaviais, somente no Engenho Taboga há sindicato e convenção coletiva. Portanto, não é difícil imaginar como será o grau de exploração nos outros engenhos onde as pessoas não estão organizadas.

Uma história de enganos
Terceirização ou tráfico de pessoas?

A mão-de-obra nicaraguense é contratada diretamente pela empresa que viaja à Nicarágua. Lá, é assinado um contrato garantindo benefícios e salários, e então os trabalhadores são trazidos para a Costa Rica.

“Uma vez aqui, a empresa terceiriza e divide os trabalhadores entre os engenhos, desconhecendo o conteúdo do contrato assinado diretamente com o Taboga, violentando assim o convênio binacional de mobilidade no trabalho para migrantes, assinado em 2012, entre a Nicarágua e a Costa Rica”, enfatiza Saray.

Para Maikol Hernández, secretário geral da Fentrag, a situação chega às raias de tráfico de pessoas. “O engenho se aproveita da falta de trabalho na Nicarágua, das necessidades desses trabalhadores e de seu desespero, para enganá-los”.

Ao chegarem a Costa Rica, retiram os documentos dos trabalhadores e a permissão para trabalhar. São explorados, maltratados, instalados em lugares insalubres, tendo que pagar por tudo que usarem e consumirem. São muitos os que voltam ao seu país sem terem poupado quase nada. Outros adoecem de insuficiência renal crônica e já não são contratados. Outros simplesmente morrem

“O papel desempenhado pelos contratadores é nefasto. São eles, com a cumplicidade da empresa, que estão gerando esta situação”, garantiu Maikol Hernández.

“Não mais exploração!”
Explode o protesto

Entre as principais violações contra os trabalhadores e trabalhadoras o sindicato destaca os baixos salários, o excesso de funções por eliminação de postos, o ocultamento dos acidentes de trabalho, a evasão dos impostos da previdência, e a desigualdade salarial.

Também não pagam a rescisão de contrato, há péssimas condições de segurança e higiene, cobrança indiscriminada de ferramentas de trabalho e por exames médicos, assim como o desconto de 10 por cento por adiantamento de salário, discriminação, assédio e maus-tratos.

Estas circunstâncias geraram o caldo de cultura para desencadear um protesto reivindicando o respeito à dignidade humana.

“Os trabalhadores estão fartos da forma como são tratados e disseram: Basta Já! Nós nos preparamos e às duas da madrugada do dia 28 de fevereiro começamos a paralisar as atividades.

A empresa não teve outra opção do que sentar e negociar conosco. Nunca se havia visto um protesto tão contundente no setor da cana”, relata emocionada Saray López.

Depois de mais de 12 horas de negociações, as partes concordaram em respeitar as condições salariais estabelecidas no contrato de trabalho e criar uma mesa tripartite de alto nível.

Esta mesa terá a tarefa de realizar uma revisão integral nos postos de trabalho e salários, abordar todos os pontos presentes na pauta de reivindicações do Sintraica, e discutir o reconhecimento por parte da Taboga dos contratos de trabalho e o papel dos contratadores.

Finalmente, o Engenho Taboga se comprometeu a não adotar represálias contra os trabalhadores que se uniram ao protesto.

“Isto é somente o começo. Trabalhadores e trabalhadoras estão tomando consciência de seus direitos e estão entendendo que a única maneira de serem respeitados é se organizando, se mantendo unidos e lutando.

Abriu-se um importante precedente e o resultado é que mais pessoas busquem o sindicato para se filiarem, denunciando violações dos seus direitos e recebendo o apoio necessário para garanti-los.

Não conseguimos tudo o que queríamos, mas demos um passo importante e vamos velar pelo cumprimento do acordo, para assim avançarmos na conquista do que falta ser negociado”, concluiu López.

No canavial as pessoas deixaram de ser apenas sombras e hoje têm voz.

Foto: Gerardo Iglesias


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