-Caem as trevas... governos de direita e até de extrema direita ─ com muito poucas exceções, como na Suécia, em Portugal, na Romênia ou na Grécia. Como você analisa essa situação?
-Com exceção da Suécia, de Portugal, da Romênia e da Grécia, no resto dos países, a direita e a extrema direita se manifestam de maneira assustadora. Se somarmos os habitantes de todos estes países não passam de 50 milhões, quer dizer, estamos falando de uma parte muito minoritária, se levarmos em conta que a Europa tem mais de 550 milhões de habitantes.
Nos países nórdicos, que sempre foram um referencial importante para os sindicalistas, as coisas estão mudando. Na Finlândia, por exemplo, o governo de direita é formado pelo partido populista e xenófobo “Verdadeiros Finlandeses”, que controla importantes ministérios.
Praticamente todo o leste está governado pela direita, às vezes aliada com os ultras. Na Polônia, por exemplo, há um problema de emergência democrática. O primeiro ministro Mateusz Morawiecki prestou homenagem, no cemitério de Varsóvia, aos colaboracionistas dos nazistas caídos.
É uma situação que nos preocupa muito, porque contribui para apagar uma memória histórica antifascista que sempre foi muito forte na Europa.
Penso também na Hungria, onde Viktor Orbán acaba de ganhar as eleições com uma maioria absoluta de 48%. Seu governo se caracteriza por promover políticas anti-imigrantes e sua campanha eleitoral se centrou em atemorizar os eleitores com o discurso de que o país seria invadido por trabalhadores migrantes muçulmanos.
Na República Tcheca, um rico empresário, Andrej Babiš fundou um partido e ganhou as eleições, e seu plano de governo é a luta contra os migrantes.
Na Itália, a vitória eleitoral dos partidos populistas, o Movimento 5 Estrelas e a Liga, vai no mesmo caminho. Na Áustria, o Partido Popular fez aliança com o Partido da Liberdade, de extrema direita e terceira força do país.
Respeitamos a vontade democrática dos eleitores, mas é preciso refletir sobre o que está acontecendo. Existe um denominador comum: todos os partidos socialdemocratas europeus padecem de uma profunda crise.
Não foram capazes de intervir na globalização, que abre as portas a movimentos de produtos, de capitais e, sobretudo, de pessoas.
O fenômeno da migração, em particular vinda da África e do Oriente Médio, não tem sido bem administrado pelas esquerdas, que deixaram o terreno livre para a direita e suas “soluções”.
-Como você explica a tendência de crescimento da direita e da ultradireita?
-Eles usam uma linguagem simplificada e muito eficiente, que as pessoas entendem e adotam. Todos esses partidos têm dois temas que caracterizam suas campanhas e programas políticos: autonomia e independência nacional (soberania); e veto ao ingresso de migrantes.
Aqui começa a verdadeira contradição: enquanto Itália, Grécia e Espanha não têm fronteiras naturais, porque estão rodeadas pelo Mediterrâneo, os outros países levantam 175 km de muro para impedir a entrada de migrantes.
A direita não ganha porque seus conteúdos políticos sejam superiores aos da esquerda, mas porque utiliza alguns slogans que, nesse momento, são muito eficientes. E por que são eficientes? Porque a Europa está vivendo uma crise econômica que não tem precedentes desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
A crise regional iniciou em 2008 e, uma década depois, ainda não terminou. Há perda de postos de trabalho, o poder econômico das famílias se reduz.
Para a direita é fácil, então, usar esta conjuntura de crise para sustentar que a responsabilidade é dos migrantes que tiram trabalho dos cidadãos nacionais. Toda a direita europeia usa este argumento para alcançar sucesso eleitoral e é o que está acontecendo.
A esquerda precisa repensar qual é seu papel hoje em dia e qual é sua função. Até o momento não foi capaz de gerenciar a globalização e perdeu o rumo.
Os valores originais da esquerda não mudaram e são fortes: solidariedade, cooperação, trabalho e direitos. Lamentavelmente, esses valores já não são representados pelos partidos socialistas e socialdemocratas.
Observei com muito interesse a experiência de Alexis Tsipras na Grécia. A Europa não podia tolerar que existisse um governo de esquerda que se opusesse às lógicas dramáticas da globalização.
Os povos das 28 nações não suportam mais a política de austeridade imposta pela Alemanha.
A Itália, a Espanha, a Grécia, Portugal e outros não podem investir para gerar crescimento porque antes têm que solucionar seu enorme endividamento. Durante esses 10 anos de crise, então, impulsionaram políticas da dívida pública em lugar de fomentar políticas de investimento.
No ano que vem serão realizadas eleições para o Parlamento Europeu e creio que vamos ter uma nova maioria que refletirá esta situação de avanço da direita.
Diz-se que o conjunto de partidos populistas, xenófobos e neofascistas poderia chegar a ser o segundo grupo mais importante no Parlamento, depois do Grupo Popular, integrado pelos partidos católicos.
- A esperança sobrevive?
- É algo que não se pode mudar em pouco tempo, é um trabalho longo e difícil. A esquerda deve voltar ao começo, e o sindicato, que também está em crise, deve contribuir neste processo.
O sindicalismo está melhor nas zonas mais industrializadas, mas tem mostrado que não é capaz de ler os processos de mudança. Somos diferentes dos partidos: eles devem definir estratégias políticas, nós, darmos respostas diárias aos trabalhadores e trabalhadoras.
O problema é que a globalização criou novas dinâmicas no âmbito do capitalismo.
O capitalismo usa estes fenômenos para reduzir os direitos trabalhistas, em particular o tema da migração. É funcional para eles um exército formado por pessoas que têm necessidades e podem ser exploradas.
Na Itália, um trabalhador migrante cobra menos de dois euros por hora. Trabalha de 12 a 13 horas no campo e ganha menos de 20 euros por dia. O convênio coletivo nacional prevê que o trabalhador agrícola não ganhe menos que 55 euros por dia.
Na Alemanha, no setor frigorífico, importa-se mão de obra romena, búlgara, moldava e ucraniana para os matadouros.
É um fenômeno geral que, além disso, debilita as organizações sociais, que devem ficar alertas, corrigir sua atuação e se preparar para enfrentar a próxima revolução 4.0 (nanotecnologias, neurotecnologias, robôs, inteligência artificial, biotecnologia etc.)
Mais problemas, com sindicatos e partidos de esquerda mais enfraquecidos.