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Quando o abacaxi tem gosto azedo

A Dole que dói

A Rel UITA continua trabalhando para produzir um livro sobre o cultivo de abacaxi na Costa Rica e, especificamente, sobre a principal produtora e exportadora de abacaxi do mundo: A Dole Food Company.
Foto: Gerardo Iglesias

Navegar pela sua página web até as plantações do norte da Costa Rica parece uma travessia do idílico paraíso terrestre ao próprio fundo do inferno.

A Dole reciclou, refinou e perpetuou um menu de políticas de trabalho que já eram aplicadas por sua perversa e onipotente avozinha no século passado: a Standard Fruit Company.

Vampirismo empresarial

Esse “menu do horror” no trabalho não deixa praticamente nenhuma aberração fora de sua prática. A primeira e mais valiosa para a transnacional é o antissindicalismo a sangue e fogo. A Dole proíbe de fato que os trabalhadores exercitem o direito de se organizarem livremente.

Quando a empresa detecta que este direito está sendo exercitado, ataca os cabeças dos incipientes sindicatos, perseguindo os seus dirigentes e assediando aqueles que “ousarem” se filiar, até conseguir que renunciem ou então despedi-los.

Quando alguma estrutura sindical consegue se sustentar, as negociações são velhacas, suspensas vez por outra, ignoradas durante meses, nos quais a empresa pressiona os dirigentes e filiados, nas plantações, ameaçando-os com demissões, punições injustificadas, transferências para tarefas mais arriscadas ou duras, e a todos os tipos de humilhação e de assédio imagináveis.

Utilizam-se de empresas terceirizadas para contratar indiretamente trabalhadores e trabalhadoras migrantes, que muitas vezes são vítimas de tráfico de pessoas, na fronteira com a Nicarágua.

Sua astúcia, neste caso, consiste em não utilizar esse esquema de forma permanente em suas próprias fazendas ou em suas subsidiárias, mas sim nas centenas de “fazendas independentes”, das quais compram grande quantidade de frutas, para vendê-las com a sua marca.

Lá, milhares de trabalhadores e trabalhadoras levam uma vida de pobreza extrema, em condições subumanas, quase sempre amontoados em casebres de emergência, sem serviços básicos de higiene, ou em barracões onde pernoitam centenas de seres humanos em redes, ou mesmo no próprio chão durante meses.

No fundo das gôndolas dos sofisticados supermercados da Europa e dos Estados Unidos, para onde é exportado todo o abacaxi da Costa Rica, debaixo dessas frutas, centenas de milhares de trabalhadores agrícolas se encontram reduzidos a uma semiescravidão, que dia a dia deixam sua saúde nas plantações, no melhor dos casos em troca de um salário mínimo (algo em torno dos 500 dólares mensais), mas que habitualmente não chega nem a ser a metade dessa quantia.

Feudalismo modo século XXI

A maioria desses trabalhadores migrantes vive em uma realidade quase medieval, distantes dos centros povoados, privados de serviços básicos, virtualmente incomunicáveis por causa da escassa ou nula internet e rede telefônica, carentes de um atendimento médico digno, submetidos a um regime de emprego/demissão a cada três meses, para evitar o pagamento de indenizações, expostos a químicos tóxicos e contaminantes, a mercê de capatazes e de supervisores que os maltratam e humilham.

A quase total impunidade da Dole e de seus sócios perante esses abusos é garantida pelas diferentes entidades estatais, supostamente responsáveis pela garantia da aplicação da lei, pelo respeito aos direitos trabalhistas e aos direitos humanos. Entretanto, mediante uma cumplicidade naturalizada, fazem vista grossa diante da evidência, fecham seus olhos ou, simplesmente, fingem que nada disso existe.

A Rel UITA se compromete a ir a fundo nesta investigação jornalística, para denunciar ao mundo inteiro que os abacaxis da Dole são, de fato, de carne e osso.