“O movimento sindical brasileiro durante os governos do presidente Lula da Silva esteve meio anestesiado. Não tínhamos força suficiente para fazer manifestações nem para expor as reivindicações que queríamos”, começou dizendo Moacyr nesta entrevista, realizada no encerramento da última reunião do Comitê Executivo Latino-Americano da UITA, nos dias 6 e 7 de dezembro, em Buenos Aires.
“Acreditávamos, com razão, que estávamos ganhando muito. Tivemos participação em assuntos como saúde, meio ambiente, questões de gênero, e até uma lei que determinava o aumento do salário mínimo de forma automática segundo o IPC. Entretanto, como movimento sindical em si não avançamos”.
-Por quê?
-Porque se por um lado as centrais operárias foram reconhecidas, não foi criada uma lei que garantisse a sustentabilidade financeira das organizações sindicais e, sem dinheiro, é muito complicado construir e mobilizar.
Hoje, depois da reforma trabalhista que acaba com a obrigatoriedade do imposto sindical, as organizações sindicais entraram em crise.
Sem uma arrecadação fixa para a manutenção das sedes, os sindicatos tiveram que prescindir de muitas pessoas. Podemos dizer que umas 10 mil pessoas foram demitidas.
Além disso, as organizações sindicais estão precisando se desfazer de patrimônios, de sedes, de veículos, tendo que reduzir os serviços prestados e, obviamente, os que sentirão os efeitos serão os trabalhadores e as trabalhadoras das bases.
Os empresários não precisam do Estado para contar com os serviços básicos garantidos, como educação e saúde, mas os operários e as pessoas mais pobres sim. Como também precisam dos sindicatos, a única ferramenta da classe operária para garantir seus direitos.
Fomos pegos de surpresa. Não tivemos tempo para nos adaptar. Pensamos que íamos frear a medida, mas não foi assim. A medida passou pelo Congresso Nacional sem os movimentos sociais e os sindicatos serem consultados, o que foi lamentável para a classe operária.
Os grupos de poder dentro do Parlamento sentiram que o momento era agora, que era a vez dos empresários e, portanto, conseguiram fazer até mesmo o que nem os militares ousaram implementar.
E estas medidas contra a classe operária se arrastarão durante este novo governo, começando pelo fim do Ministério do Trabalho, um organismo com um peso não só real para os trabalhadores e trabalhadoras, como também simbólico.
Sem o Ministério do Trabalho, o que faremos? Onde discutiremos as questões da OIT? Onde analisaremos direitos e deveres?
A direita está vivendo o seu momento, o que significa um mal momento para nós. No entanto, já tivemos tempos ruins e aqui estamos. Eles quebraram as nossas pernas, mas não nos mataram. E como sempre, continuaremos lutando.
Agora, este governo, de forma bem astuta, instaurou no imaginário coletivo o sentimento de que não são os empresários os que exploram os trabalhadores, mas sim os sindicatos. Ideia absurda, não é mesmo?
Nosso grande problema é quando a esquerda começa a se utilizar de um discurso de direita.
-Você disse na reunião do CEL que foi isso o que aconteceu com os governos do PT, principalmente durante o segundo mandato da Dilma Rousseff.
-A presidenta Dilma, em seu segundo mandato, deixou de dialogar, deixou de convocar os Conselhos de Gestão, neutralizando-os. Só que esses Conselhos tinham sido muito úteis durante os governos do presidente Lula.
Eram espaços de cooperação, onde foram criados excelentes projetos para todos os setores: empresariais, acadêmicos, operários, religiosos. Chegaram a planejar políticas de Estado para melhorar a economia do país. Já com a presidenta Dilma a negociação não era fluída, e isso foi letal para a sua gestão.
Porém, temos que avaliar o papel da esquerda nos tempos atuais do Brasil. Atualmente, não existe uma esquerda bem definida. Os interesses mudaram e se cruzaram.
A meu ver, temos também outro problema muito grave e preocupante. A esquerda sucumbiu à maldição da corrupção. Muita gente nossa foi presa por isso.
A corrupção desacredita os movimentos sociais, que sempre estiveram do lado de cá. Urge nos repensarmos e nos reinventarmos, para não nos colocarem no mesmo saco.
Daí surgiu Jair Bolsonaro.
No Brasil o futuro governo tem a visão de que se você pertence a um movimento social, necessariamente pertence ao PT, pois isso não é verdade.
A sociedade é muito mais diversificada e complexa.
Só que o novo presidente quer, com esse discurso, destruir os direitos sociais, os movimentos dos trabalhadores-sem-terra, os movimentos dos sem-teto. Ele quer pôr fim às políticas sociais que buscam equiparar os direitos das minorias, como é o caso dos indígenas, das mulheres, dos negros, dos LGBTI.
A ideia é terminar com tudo.
E o pior é que a sociedade está apoiando esse discurso.
O presidente eleito chega aos atos públicos e bate continência! Afirma que toda pessoa de bem deve portar uma arma para poder matar bandido! Nem sabemos como ele irá instrumentar isso.
Aliás, você consegue imaginar o caos que será o Brasil se tudo isso realmente acontecer?
Infelizmente, este é o governo que temos, e agora só nos resta resistir.
Serão tempos duros. Momentaneamente, estamos sem saber bem o que fazer, mas vamos encontrar uma saída. Resistiremos sempre. Até porque não há outra coisa que fazer.
Em Buenos Aires, Daniel Gatti