O ativista e assessor em direitos humanos da Rel-UITA, Jair Krischke, garante que a intervenção não só não resolverá a questão da violência, como também poderá causar inúmeras violações dos direitos humanos.
“Historicamente, no Brasil, sempre que acontecem essas coisas, as vítimas principais são os pobres e os negros. Trabalhadores que vivem nas favelas, quando voltam do trabalho são detidos e surrados até a morte. Quando não morrem são levados a um tribunal militar. Nunca serão vistos acontecimentos assim nas ruas de Copacabana ou do Leblon, eu te garanto”.
Mas, o que mais preocupa Krischke é no Brasil haver uma classe média recalcitrante que festeja a morte destas pessoas negras e pobres. “O discurso imperante é: “um vagabundo a menos”.
“A intervenção militar no Rio de Janeiro é uma medida que, à primeira vista, não tem sentido. Nem sequer os militares estão plenamente convencidos da confusão em que se meteram”, disse Jair.
De acordo com o ativista, a participação das forças armadas para combater o crime iniciou-se no governo de Dilma Rousseff.
Na época da Copa do Mundo de 2014, assim como nos Jogos Olímpicos de 2016, quando os protestos populares se agravaram, o governo autorizou a intervenção militar para garantir a segurança pública.
“O que aconteceu agora é que querem aplicar um mandato de busca e apreensão coletiva nas favelas do Rio de Janeiro, algo juridicamente impossível e ilegal. Os militares invadem essas regiões, roubam, humilham e violentam os cidadãos comuns”.
Diante disto, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) iniciou uma ação de inconstitucionalidade que, segundo Krischke, freou momentaneamente as ações militares, apesar de não se mostrar otimista com isto.
“Estamos diante de um problema muito grave. Em nenhum lugar do mundo os problemas sociais foram resolvidos com tiros. A situação das favelas do Rio nada mais é que um problema social crescente devido à ausência do Estado, gerando que esse espaço vazio fosse oportunamente ocupado pelo narcotráfico”.
Por outro lado, Krischke considera existir uma série de coisas a serem analisadas, detalhes do contexto que precisam ser examinados.
“Durante o governo do corrupto Sérgio Cabral, foram criadas nas favelas do Rio as UPPs, Unidades de Polícia Pacificadora, uma tentativa de marketing para tapar com a peneira a sua péssima administração, responsável por deixar os setores mais desfavoráveis do Rio de Janeiro sem escolas, sem saúde pública, sem espaços de lazer e esporte para os jovens, sem nenhum tipo de política social”.
O governo local mobilizou uma grande quantidade de policiais, mas do ponto de vista orçamentário, ao longo do tempo, foi difícil arcar com sua manutenção.
“Na medida em que os narcotraficantes foram percebendo que essas jogadas eram pura fachada do governo do Estado do RJ, voltaram ao ataque, cooptando os próprios efetivos policiais, que caíram na tentação da grana fácil”, denunciou.
“A criação das UPP promoveu uma nova escalada de violência que serve, neste momento, como pretexto para o governo federal decidir pela intervenção das Forças Armadas na defesa da segurança pública”.
No final do ano passado, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, gerou uma polêmica ao afirmar publicamente que os altos comandos da polícia do Rio de Janeiro faziam parte do crime organizado.
“Estas declarações, infelizmente certas, geraram um grande rebuliço. Como explicar a influência e o poder do crime organizado, se não for porque conta com a participação do alto comando policial”, considera Krischke.
De acordo com o nosso assessor, há outras razoes para o governo de Temer ter tomado esta medida no Rio de Janeiro.
“Também há por detrás de tudo isto, uma jogada política que tem a ver com o fato de este governo não querer sair derrotado da tentativa de reformar a Previdência, pois não contava com os votos necessários”.
Krischke também considera a hipótese de a militarização do Rio ser uma forma de, se Temer se apresentar como candidato à Presidência nas eleições de outubro “e essa extrema medida chegar a funcionar, ele garantir metade de sua campanha eleitoral”.
“A situação no Rio de Janeiro é uma loucura, não acredito que os serviços de inteligência militar, que monitoram toda a sociedade brasileira, aprovem isto, principalmente porque não sabem de donde sairá o orçamento para eles”.
Mas, desde que Dilma Rousseff autorizou, em 2013, a intervenção militar para combater crimes comuns “foram abertas as portas do inferno. Para voltar a prender todos os demônios lá dentro de novo será muito difícil”.
Jair informou que a maioria dos efetivos militares que vigiam as ruas do Rio são soldados que fazem o serviço militar obrigatório.
Vestidos como para a guerra, na quente cidade do Rio de Janeiro, e portando armas de grosso calibre, capazes de realizar disparos de até 2 mil metros de distância, constroem uma cena dantesca.
“Ninguém quer discutir o fundo dessa questão, mas é necessário um profundo debate para vermos por que e como chegamos até aqui, e por que há uma parte da sociedade brasileira comemorando o fato de os militares estarem agora nas ruas”, concluiu Jair.