-A realidade social do Brasil é cada vez mais preocupante.
-Desde o golpe contra Dilma Rousseff, assumindo Michel Temer, há um claro desmantelamento das políticas públicas, dos direitos trabalhistas e sociais. O Ministério de Justiça está suspendendo as demarcações das terras dos povos originários por meio de novos decretos, e a bancada ruralista está legalizando a ocupação das terras indígenas.
Quando os indígenas resistem, são brutalmente reprimidos, sem a menor consideração.
-Essa parece ser a fórmula do governo: comprar votos e vontades ou reprimir.
-Sim, a repressão é a resposta deste governo contra qualquer reivindicação. Nos governos anteriores se por um lado não houve avanços em termos de demarcações de terras, havia uma instância de diálogo que agora foi cortada.
-Qual foi o resultado da Missão de representantes no Parlamento Europeu?
-Muitas das terras que foram retiradas dos povos originários para serem oferecidas ao agronegócio produzem matéria-prima em grande maioria para a exploração, cujo destino é a União Europeia (UE)
Os europeus precisam estar informados de que tanto a soja como outros produtos consumidos por eles estão vinculados à violência, precisam sentir a responsabilidade que lhes compete.
O que buscamos com essa Missão é que assim como foram criadas barreiras sanitárias contra a entrada de produtos na UE, que também existam barreiras contra as empresas que não respeitem os direitos humanos.
Alguns eurodeputados deram sinais de serem favoráveis à criação de instâncias pontuais para a proibição da entrada de produtos que descumprirem com certos requisitos humanitários, como a não violação dos direitos humanos de indígenas ou quilombolas.
-A violência não para de crescer, continuam os assassinatos de líderes comunitários e sociais, com total impunidade.
-Isso é o mais terrível. Este ano tivemos o massacre de Pau D’Arco*, que só não caiu no esquecimento porque organizações de direitos humanos o impediram.
A impunidade vai alimentando a violência. É circular. Os agressores se sentem legitimados.
Existe um movimento sistemático para frear as demarcações e para expulsar as populações indígenas de suas terras já demarcadas.
O estado mais afetado é Mato Grosso do Sul, e em Rondônia está se dando um fenômeno de invasão de terras das tribos Uru-Eu-Wau-Wau e Karipuna: estão loteando suas terras e as vendendo ilegalmente.
Não há ninguém que freie isso, apesar de todas as denúncias feitas.
Há um clima de violência e de insegurança contra os defensores e as defensoras dos direitos humanos que choca.
-A falta de articulação entre os movimentos sociais é também responsável pelo momento atual?
-O que sinto é que existe um grande sentimento de impotência. O pouco que tentamos fazer não tem incidência e vamos ficando anestesiados.
É preciso colocar ênfase nas questões de consenso e não nas pequenas desavenças existentes entre tal ou qual organização. Para enfrentar esta realidade, temos que nos unir. E o que nos une? O fato de estarem desmantelando todos os nossos direitos.
-Além deste sentimento de desesperança, há também muitas pessoas nas bases que lutam diariamente contra esta realidade.
-Sem dúvida. Há comunidades que conseguiram avançar por fora do sistema capitalista, que se organizaram em base ao trabalho comum e à troca de mercadorias.
O caminho é esse: voltar às bases comunitárias, escutá-las, aprender com elas e talvez recriar a identidade a partir da luta concreta das comunidades.
Se voltarmos a tomar contato com estes povos, talvez possamos nos contagiar de suas lutas e isso nos ajudará a sair do ostracismo em que caímos.
*No dia 27 de maio passado, nove camponeses foram massacrados em Pau D’Arco, no estado do Pará, enquanto estavam acampados ao lado da estância Santa Lúcia.