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Os massacres, uma forma perversa de violência

No final de maio, o violento estado do Pará foi cenário de um novo massacre de camponeses no município de Pau D’Arco. Em um episódio com aspecto de execução e que ainda não foi esclarecido, nove homens e uma mulher foram assassinados na fazenda Santa Lúcia.
O conflito decorre da questão das terras públicas na Amazônia, com uma longa história de grilagem e falta de compromisso do Estado para regularizar a situação, o que tem gerado uma alarmante onda de violência contra camponeses e camponesas que lutam por um pedaço de terra para trabalhar.

A Rel conversou com o Padre Paulo César Moreira, coordenador nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), para saber em que pé estão as investigações desses crimes na atual conjuntura do Brasil.

“Várias iniciativas estão sendo implementadas por diferentes organismos de direitos humanos, considerando a grande fragilidade destas comunidades, principalmente agora depois desse golpe institucional, além do clima de violência que assola o campo em todo o Brasil”, disse o religioso. 

“Só neste ano, dois grandes massacres e várias mortes já ocorreram, e o denominador comum são os conflitos agrários”, lamentou.

Moreira informou que, no caso do massacre de Pau D’Arco, estão sendo feitas diversas audiências na busca por esclarecer o acontecido. O grupo de camponeses/as está se organizando, com o apoio de organizações que estão pressionando o Estado para levarem a sério essas investigações.

Procuradoria Geral de Direitos Cidadãos, a CPT, o Conselho de Direitos Humanos Nacional, as organizações Humanos Direitos e Justiça Global, entre outras, apoiam as ações dos camponeses e exigem das autoridades competentes um esclarecimento dos fatos.

“O grupo de camponeses/as está retornando para as terras em disputa apesar das ameaças feitas a vários deles. Estão retornando porque para eles isto é uma causa, desta forma demonstram que não querem que essas terras sejam usadas para o latifúndio. 

Retornam sem muitas garantias, porque o Pará é um estado onde a impunidade e a violência são o pão de todos os dias”, assinalou.

De acordo com Moreira, a situação no Pará continua muito tensa. Qualquer denúncia feita é fortemente rejeitada, inclusive nas esferas política e policial.

“Há um clima de perseguição às testemunhas do crime e às famílias das vítimas. Estas organizações atuam com grande coragem e compromisso, porque a pressão é enorme. 

Inclusive na Assembleia Legislativa do estado, quando o deputado Carlos Bordalo quis expor um relatório do massacre na ordem do dia, foi agredido por outro deputado. É uma violência que quer calar qualquer tipo de denúncia sobre a gravidade deste massacre”.

Um passado colonial
Um presente quase igual
Para o coordenador da CPT, no Brasil existe um problema estrutural de violência a partir da luta pela terra. A História colonial, escravagista e de genocídio dos povos indígenas e a própria lei de terras que proibia, depois da abolição da escravidão, que os negros comprassem terras, ainda estão fortemente arraigadas na cultura do país. 

“Há uma história de castas e de oligarquia que existe até hoje em dia e que está representada no atual Congresso Nacional”.

Não há representação do povo, mas sim dos ruralistas, da indústria armamentista, de mineração, dos banqueiros, de igrejas e de grupos econômicos. Todos eles, aliás, professam um discurso altamente violento, intolerante. Soma-se a isso o fato de que, após o golpe que destituiu a Dilma, todos eles ganharam ainda mais força”.

O padre afirma que o atual governo de Michel Temer é ilegítimo porque não conta com o aval popular e porque está claramente a serviço dos grandes empresários nacionais e internacionais.

“Neste contexto, a bancada ruralista aproveita para ampliar suas fronteiras agrícolas e abrir espaços para o agronegócio, local e estrangeiro, com forte impacto nos territórios da Amazônia, ricos em madeiras, minerais, água, etc”, disse. 

Os povos indígenas e os camponeses que lutam pela terra “sofrem uma violência extremamente perversa, que em 2017 se manifesta em forma de massacres. Isto só acontece porque existe uma total falta de compromisso do Estado, que não se faz presente nestas comunidades, e por uma obscena impunidade imperante”.

 
Denunciar e se mobilizar nas ruas
As duas vias para sair da crise
Devido à fragilidade institucional interna do país, as denúncias internacionais são fundamentais para que o mundo inteiro saiba o que está acontecendo no Brasil

“O agronegócio se apresenta como uma salvação, mas a verdade é que é uma porta aberta para a violência, que se manifesta não só por meio de agressões físicas, mas também no emprego indiscriminado de agrotóxicos, na concentração de terras e no mau uso dos recursos naturais, como a água, secando importantes aquíferos. O dano é imenso e a difusão escassa, porque a mídia também está a serviço do capital”.

“Tenho a esperança de que o povo brasileiro vá para as ruas reivindicar de forma direta os seus direitos, para exigir eleições diretas já, e que os camponeses e as camponesas expulsos de suas terras, por causa da violência na qual viviam, consigam encontrar nestas comunidades o apoio para voltarem às suas terras”, acrescentou Moreira

E concluiu com uma exortação: “Precisamos enfrentar esta violência desmedida. Já são 41 mortes violentas desde o início de 2017. Uma cifra que já é quase a mesma do total dos assassinatos cometidos em 2016. Há uma tendência ao crescimento desta violência. E somente o povo organizado poderá frear isto

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