Em Assunção,
Missão Rel-UITA no Paraguai
Com o Paí Oliva
Um povo encurralado entre a soja e a corrupção
O Padre Francisco de Paula Oliva, Paí Oliva, como todos o conhecem no Paraguai, fará 85 anos no próximo dia 14 de outubro. Nascido em Sevilha, Espanha, escolheu o Paraguai como o seu lugar no mundo. Um lugar onde há muito por fazer, por isso ele escreve uma matéria diária no jornal Última Hora, tem um programa matinal na Rádio Fé e Alegria e mantém uma agenda lotada de reuniões e entrevistas. "O que o mantém jovem?”, eu lhe perguntei. "Tudo o que aprendi, minha fé e a indignação diante da injustiça”, respondeu.
-Como você se sente?
-Olha, estou muito irritado, muito chateado, com muita raiva, com o sentimento de que fomos roubados, de que fomos bobos, que não soubemos reagir diante do golpe de Estado.
Também muito preocupado, porque estes senhores, que agora governam, irão embora no dia 15 de agosto, e deixarão o país sem dinheiro. O anterior ministro da Fazenda deixou 800 milhões de dólares em caixa, mas o atual Presidente da República solicitou um empréstimo de 1 bilhão mais e agora ninguém sabe onde está esse 1,8 bilhão de dólares. Portanto, toda esta situação é frustrante e provoca... nojo, isso mesmo, muito nojo.
-E o próximo governo...?
-Uma grande incógnita. Há três cenários possíveis. Um é que Horácio Cartes, próximo presidente, comece junto com o Partido Colorado e que no meio do caminho o deixem sozinho, sem maioria parlamentar, o que é muito provável. E o ridículo é que nessa conjuntura teríamos que sair defendendo Cartes...(sorrisos).
O segundo cenário é que Cartes domine a rebelião dos colorados na força do dinheiro. A questão será como dominará a oposição e acredito que, para isso, ele utilizará de todo o aparelho repressor. Esse é um cenário mais complicado e perigoso que o anterior. Isso foi o que fez Alfredo Stroessner[1]: quem não se submeteu à sua vontade foi exilado, preso ou morto.
-E o terceiro cenário...?
-É pressupor que Cartes fará tudo bem e os colorados farão uma coalizão sem problemas... um cenário dos sonhos.
-E, em todo esse panorama, seria importante incluir a perda de soberania que a nação sofre...
-Em primeiro lugar temos que nos lembrar de que este país é controlado por 200 famílias, no máximo. Porém, como você diz, está crescendo a presença de colonos brasileiros...
-Tranquilo Favero, apelidado "o rei da soja", só ele possui mais de um milhão de hectares...
-Exatamente, e há regiões inteiras do país já nas mãos de brasileiros, e outras nas mãos de uruguaios, que estão chegando aqui para empreendimentos em pecuária.
Se, como dizem, a soja avança mais de 150 mil hectares por ano e as pessoas continuam sendo expulsas do campo, vamos passar a viver pessimamente, todos encurralados em Assunção.
Estima-se que há 600 mil famílias camponesas. Delas, menos da metade tem terra própria e, com a expansão da soja, muitos de nossos camponeses estão chegando a um infraconsumo crônico de alimentos. Sua dieta é pobre e monótona.
-E neste contexto, o massacre de Curuguaty no ano passado...
-É verdade, mas todos nós também temos culpa. Eu falo sobre isto no meu programa de rádio, escrevi também na minha crônica diária no jornal Última Hora e na Internet, e tem gente que diz: "...mas padre, você ainda com esse tema... já estamos fartos dele..." Nem a juventude se preocupa com esta gente e com as razões que levaram estes camponeses a invadirem esta terra. Os colégios, os centros de ensino, estão todos vendidos ao mercado, absolutamente todos.
A única rádio, a única mesmo, que falou sobre o golpe de Estado e o que aconteceu em Curuguaty, foi a rádio Fé e Alegria. O que explica por que há tão pouco espírito revolucionário.
Por recomendação médica já não posso andar de ônibus, então viajo muito de táxi, e tenho a mania de falar com todo o mundo, muitos taxistas me conhecem. E muitos pensam como eu, mas não se atrevem a dizer nada. Por isto, estamos assim.
Foto: Gerardo Iglesias
Rel-UITA
5 de agosto de 2013
[1] Militar paraguaio que encabeçou uma brutal ditadura entre 1954 e 1989. Responsável por numerosos crimes de lesa humanidade. Morreu em 2006 exilado em Brasília.