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Os povos indígenas não podem continuar abandonados
Em Buenos Aires,
Brasil
    PUEBLOS INDÍGENAS | VIOLÊNCIA NO CAMPO
    Com Gilberto Vieira
    Os povos indígenas
    não podem continuar abandonados
    E os organismos que garantem os seus direitos
    devem protegê-los
    20140929 Gilberto Vieira-610
    Foto: Nelson Godoy
    Vinculado ao Conselho Indigenista Missionário (CIMI) desde 2004, Gilberto Vieira é atualmente o secretário adjunto do CIMI. De 2007 a 2013, atuou como coordenador do Conselho de Mato Grosso, um dos estados brasileiros com os maiores índices de conflito pela terra. Durante a sua participação na Oficina Regional sobre o Setor Rural, Mudanças Climáticas e Trabalho Decente, organizada pela UATRE, Rel-UITA, CSA e OIT, em Buenos Aires, de 22 a 26 de setembro, A Rel aproveitou a ocasião para entrevistá-lo.
    -Como começou a sua trajetória no CIMI?
    -Sempre me interessei e atuei nos setores sociais vinculados à Igreja, à Pastoral da Terra, aos movimentos ligados à Teologia da Libertação.
     
    Eu conheci o CIMI no final de 1999, mas comecei a buscar contatos a partir de 2002, e em 2003 participei de um curso na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) sobre a questão agrária.
     
    Fui convidado, então, a visitar uma aldeia na Prelazia de São Félix, junto com a minha namorada. Ali nos casamos segundo os rituais indígenas e nesse mesmo ano a minha esposa retornou para trabalhar na escola. Eu me juntei no ano seguinte e trabalhamos com dois povos indígenas, Carajá e Tapirapé, durante três anos.
     
    Depois, continuamos trabalhando na Coordenadoria Regional do CIMI em Mato Grosso e desde então estamos no CIMI
     
    -Consideramos que a situação enfrentada pelos povos indígenas do Brasil é de extrema dificuldade.
    -Sim, é. Este ano estou trabalhando no secretariado nacional do CIMI, onde diariamente enfrentamos ameaças, provocações, invasões dos territórios demarcados e das áreas protegidas, assim como o assassinato das lideranças indígenas.
     
    Criminalização dos protestos sociais
    Ser liderança indígena é um delito
     
    Nos últimos anos, por iniciativa do próprio governo federal, começamos com o CIMI a acompanhar com maior intensidade os impactos gerados pelos grandes empreendimentos vinculados com a problemática do conflito agrário em nossa região.
     
    Nesta etapa, o que notamos é um grande aumento da criminalização das lideranças indígenas pelo simples fato de serem lideranças. São frequentemente acusados de crimes que não cometeram. As acusações mais frequentes são formação de quadrilha e conspiração, quando na realidade o que estas lideranças buscam é a recuperação de suas terras ancestrais.
     
    Há casos onde toda uma etnia é perseguida, como os Tenharim em Rondônia, ao sul da Amazônia, que enfrentam o grande poder dos interesses do capital, neste caso a construção de uma hidroelétrica.
     
    As lideranças deste povo estão todas presas, deixando o resto da etnia completamente desestruturada e à mercê de inescrupulosos interesses empresariais.
     
    Isolados até por quem deve defendê-los
    Os trabalhadores devem mudar de atitude
     
    -Esta agressão sofrida pelos indígenas, expulsos de suas terras devido à violência do agronegócio, é a mesma que sofrem os trabalhadores escravizados e super explorados pelos mesmos latifundiários.
    -O que acontece no Brasil é triste, porque nem sequer os organismos criados para defender os povos indígenas, como a FUNAI, garantem os seus direitos básicos.
     
    Por outro lado, as forças públicas, encarregadas de defender os direitos dos cidadãos, criminalizam e perseguem essas pessoas.
     
    Estou de acordo, então, com o pronunciamento da Rel-UITA neste seminário. Concordo que devemos coordenar recursos e ações, e também trabalhar em alianças para defender os interesses e os direitos que nos são comuns.
     
    -Impunidade e corrupção são o combustível deste maquinário que produz tanta violência...
    -Sem dúvida isto é o que move toda esta engrenagem, que certamente está muito bem lubrificada. Parte do governo, da polícia, dos latifundiários – quase todos vinculados ao agronegócio – e a grande mídia estão de acordo em reproduzir um discurso que incita o enfrentamento entre indígenas e trabalhadores.
     
    “Os indígenas atrasam o progresso, eles não gostam de trabalhar”... Este tipo de discurso, repetido mil vezes, termina por ser incorporado pelos trabalhadores ou pelos pequenos produtores rurais. O desafio que temos, nós organizações, como o CIMI e a Rel-UITA é acabar com esse pensamento.
     
    -Podemos observar, inclusive, os agricultores familiares considerarem os indígenas como inimigos.
    -É. Infelizmente é assim. Estudos mostram que a grande maioria dos brasileiros está a favor da demarcação das terras indígenas, entretanto nas regiões onde são registrados os mais altos índices de conflito, observa-se exatamente o contrário.
     
    A população local se posiciona contra os indígenas, mas isso não é por acaso, atrás disso há todo um esquema panfletário que reproduz o discurso dos latifundiários e do agronegócio.
     
    Vontade política
    Intensificar a mobilização das minorias
     
    -Você tinha outras expectativas para com este governo?
    -Tinha. Mas, como muita gente, eu também me decepcionei. A questão da reforma agrária, tão proclamada durante as campanhas eleitorais, passou a um terceiro plano depois que o PT chegou ao governo.
     
    Devo dizer que não é uma questão de hoje, mas algo que começou já lá no primeiro mandato do Lula da Silva. Portanto, é óbvio que há uma espécie de decepção generalizada com relação à questão dos conflitos agrários e, mais especialmente, à questão indígena.
     
    O que acontece atualmente é que há muita incerteza sobre estas questões, no que se refere à luta pelos direitos das minorias.
     
    Temos que partir da base de que se a sociedade civil não se mobilizar, as organizações, que representam as minorias mais desfavorecidas, terão de intensificar a luta.
     
    Só assim poderemos transformar esta realidade sofrida em vários países da América Latina, independentemente de qual partido esteja no governo.
     
    -Como você avalia esta cooperação com a Rel-UITA e o que você achou desta oficina?
    -Ambas foram muito boas, porque neste tipo de fórum é que percebemos que os conflitos pela terra não acontecem apenas no Brasil.
     
    Além disso, vão sendo feitas alianças de trabalho que são fundamentais para incidir nessa transformação da realidade que eu mencionava anteriormente.  
     
    Rel-UITA
    1 de outubro de 2014
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