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Possível aumento da concentração na industria frigorífica

Zona de abate

A Minerfa Foods busca adquirir o seu quarto frigorífico no Uruguai. Formalizando-se a compra, a empresa brasileira passará a controlar mais de 26 por cento das exportações de carne bovina. Se somarmos as outras quatro fábricas, em mãos da sua conterrânea Marfrig Group, ambos os grupos terão 56 por cento das exportações de carne bovina e mais da metade do abate anual nacional sob seu controle.

Luciano Costabel | Convenio Brecha - Rel UITA

20 | 12 | 2022


Foto: Gerardo Iglesias

O peixe resguardado no frigorífico Santa Clara e a reunião mantida por Alejandro Astesiano, ex-chefe de segurança do presidente da república do Uruguai, Luis Lacalle Pou, com empresários interessados na compra da fábrica de Florida não foram as únicas novidades vinculadas à indústria frigorífica nacional das últimas semanas.

No final de novembro, soube-se que estavam muito avançadas as negociações entre a gigante produtora de carnes Minerva Foods e a empresa japonesa NH Foods para a aquisição do frigorífico Breeders & Packers Uruguay (BPU), localizado no departamento uruguaio de Durazno.

O fechamento da compra ainda está sujeito às conclusões dos processos em andamento, mas tudo indica que a compra brevemente será formalizada. O acordo de exclusividade para aquisição, assinado pelas duas empresas, finaliza no dia 15 de dezembro e estima-se que o valor da transação é de 35 a 45 milhões de dólares. Desta forma, a Minerva Foods passa a controlar quatro fábricas no Uruguai.

Em um comunicado dirigido aos seus acionistas, a empresa brasileira avisou que a iniciativa formava parte de uma estratégia orientada a maximizar sua diversificação geográfica, mediante diferentes alianças e parcerias.

O interesse específico pelo BPU se deve a que é uma das fábricas mais modernas da América Latina, contando com uma capacidade de abate de 1.200 cabeças de gado por dia, o que determina um aumento de 40 por cento na capacidade de abate diário do Uruguai. Por isso, a aquisição do frigorífico, localizado em Durazno, pode ser o início de um acordo mais amplo, que ao fusionar ambas as empresas, permitirá que a Minerva Foods controle também uma das maiores fábricas da Austrália.

Mais um na conta

Mas, pensando além dos planos futuros, já hoje, a formalização da compra do BPU significará um aumento sensível do peso da Minerva Foods no mercado das carnes uruguaio.

Atualmente, a empresa controla os frigoríficos Canelones, Carrasco e Pul AS, que em conjunto, durante todo o ano de 2022, até o dia de hoje, já exportaram 478 milhões de dólares em carne bovina, de acordo com os dados analisados com base na informação gerada pelo Centro de Informações da agência Uruguay XXI. Por outro lado, o BPU ultrapassa os 170 milhões de dólares. Somados, os quatro frigoríficos representam 26,8 por cento do total de divisas que entram no país pelas exportações de carne bovina; sete pontos percentuais a mais do que, até o momento, a Minerva obtém de suas fábricas.

Isso não é tudo, porque a aquisição do BPU também permitirá à empresa reforçar sua posição com respeito à quantidade de gado, abate e participação no abastecimento do mercado interno. Se por um lado, não há dados atualizados de 2022, as cifras publicadas pelo Instituto Nacional de Carnes (INAC) em anos anteriores permitem uma aproximação.

Assim, de acordo com a informação de 2021, a Minerva passaria a ser responsável por 28,3 por cento do abate bovino total – uns 747 mil animais – e, segundo dados de 2019, chegando a ser responsável por 18 por cento do abastecimento da carne bovina congelada e de produtos derivados da carne no mercado interno. Isso supõe um aumento percentual de 6,3 e 5,3 pontos, respectivamente.


Foto: Gerardo Iglesias
Até o teto

Em um artigo publicado pelo Brecha em agosto, dava-se conta de que a chegada da Minerva Foods ao nosso país não tinha sido casual, mas formava parte de uma estratégia de expansão regional, cujo objetivo era situar a indústria brasileira como um jogador de relevância global na distribuição de alimentos.

Sendo assim, essa estratégia se consolidou no Uruguai, fundamentalmente entre os anos de 2006 e 2017, onde também participava outra das principais empresas do setor das carnes, a brasileira Marfrig Group. Por meio da aquisição de estabelecimentos já em funcionamento, ambas as empresas foram ganhando cada vez mais peso no mercado das carnes uruguaio.

Depois de uma década – e com a compra do frigorífico Canelones, em 2017, feita pela Minerva Foods -, ambas as empresas conseguiram dominar uma porção do mercado que aparentemente difícil de obter no curto prazo. Assim, com sete fábricas, a metade de abate de gado, as exportações de carne bovina do país também se encontravam sob o seu controle.

Desta forma, a eventual compra do BPU supõe que, só cinco anos depois da última aquisição, a Minerva Foods e a Marfrig Group alcançarão níveis de concentração de mercado ainda mais altos.

Graças aos seus quatro frigoríficos (Tacuarembó, Inaler, Colonia e Cledinor), a Marfrig Group já exportou só em 2022 quase 710 milhões de dólares em carnes bovinas, representando 29,3 por cento do total, de acordo com dados do Uruguay XXI.

Na hipótese de finalizarem a compra do BPU, e se forem mantidos os seus níveis de exportação, a partir do ano que vem, ambas as empresas passariam a concentrar as vendas de 56,1 por cento das exportações de carne bovina. Ao tomar como referência os dados de 2021, com respeito ao abate de gado e ao abastecimento do mercado interno, ambas as empresas teriam à sua disposição 52,5 por cento de todo o gado disponível no Uruguai: 1.388.318 cabeças de gado. Isso supõe 135 mil cabeças de gado a mais do que o montante utilizado por todas as restantes 27 empresas habilitadas pelo INAC durante este ano, juntas. Finalmente, passariam a controlar 40,1 por cento do abastecimento de carne bovina congelada e de produtos derivados da carne no mercado interno.

Mudança no tom

“Quando se reduz a quantidade de possíveis compradores, para os produtores de gado pode significar um risco desde o ponto de vista do valor recebido por cada animal vendido. Isso implica práticas de tipo oligopólicas”

Consultado pelo Semanário uruguaio Brecha, o engenheiro agrônomo pesquisador Gabriel Oyhantçabal enfatiza que o principal risco é que a indústria frigorífica uruguaia termine concentrando-se em torno da atividade destas duas grandes empresas.

Diante desta mesma consulta, a mestre em História Econômica Maria José Rey, informa que também poderiam existir aumentos no preço das vendas da carne no mercado interno – por fora dos fatores conjunturais -, além de preconceitos contra os trabalhadores na negociação com as empresas. Este último fator está bastante relacionado com o modelo multifábricas.

Sobre estes pontos, alguns alarmes já estão acesos. Dias atrás, o presidente da Federação Rural, Martin Uría, afirmou na rádio Carve que o grêmio estava preocupado com o fato de uma porcentagem tão alta de abate fique nas mãos de apenas duas empresas. Por outro lado, no mesmo meio, o presidente da Associação Rural do Uruguai, Gonzalo Valdés, garantiu que o sindicato analisará e monitorará a situação.

Pelo lado dos trabalhadores, também há alguns sinais de preocupação. Consultado pelo Brecha, Martín Cardozo, presidente da Federação de Operários da Indústria das Carnes e Afins do Cerro, explicou que ao controlar várias fábricas, a Minerva faz “rotações de seguro-desemprego”, utilizando-se, muitas vezes, de mecanismos para intimidar a negociação salarial.

No caso de se adquirir o BCU, o dirigente opinou que “é seguro” que a empresa brasileira imporá as mesmas condições de suas outras fábricas. Isso inclui levar adiante uma “alienação” salarial, “como aconteceu no frigorífico Canelones”, afirmou Cardozo.

As agremiações de produtores e os trabalhadores de frigoríficos não são os únicos que acompanham o assunto com atenção. Há alguns meses, quando o Brecha conversou com o presidente do INAC, Conrado Ferber, a resposta recebida diante da consulta sobre os níveis de concentração da indústria foi que nos encontrávamos em um “ponto moderado”. Agora, ao apresentar o balanço final estatístico do ano – no dia 1 de dezembro passado – Ferber destacou que se a Minerva Foods comprar o BPU, passaremos de estar numa “zona de concentração alta de abate”, segundo o índice analisado pelo INAC, acontecimento que gera preocupações entre as autoridades do setor das carnes. O Ministro da Pecuária, Agricultura e Pesca, Fernando Mattos, explicou como seria o impacto da concentração da compra. No Rádio Carne, o ministro afirmou que o assunto merecia ser nacionalmente estudado e acompanhado pelo governo, “para ver a posição com respeito a eventualmente atingir a formação dos preços, devido à concentração.

Ainda que a compra esteja para ser formalizada, até o momento predominam as especulações e, depois de um comunicado da Minerva Foods, não são mais conhecidos os novos detalhes da negociação.

Espera-se uma resolução nos próximos dias, quando for finalizado o período de exclusividade. Ocorrendo a aquisição, as empresas deverão apresentar o pedido de análise diante da Comissão de Promoção e Defesa da Competência do Ministério da Economia e Finanças, que deverá ser expedido a esse respeito.