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Vítimas da ‘guerra do dendê’

Quem são as lideranças quilombolas mortas no conflito por terras no PA?

G1

05 | 07 | 2022


Foto: Rel UITA

Duas lideranças eram envolvidas na luta pelo reconhecimento de terras, que também eram de interesse de empreendimentos do dendê. Outras duas vítimas eram familiares ameaçados.

A morte de pelo menos quatro pessoas nos últimos anos no Pará é associada pela Polícia a conflitos de terra envolvendo o cultivo de dendê no nordeste do estado.
Duas das vítimas eram lideranças quilombolas que defendiam o reconhecimento de terras, alvo também do interesse pelos empreendimentos que se instalaram na região. As outras duas eram familiares, também ameaçados.

O interesse de fazendeiros pela venda de terras a empresas e, por outro lado, a luta pelo reconhecimento territorial de quilombolas gera tensão na região, que já dura mais de 20 anos.

No interior do Pará, as plantações de palma, matéria-prima para a produção do óleo de dendê, envolvem acusações de grilagem, ameaças a lideranças locais e até cartório-fantasma.

O setor movimenta um negócio bilionário. Em 2020, o Pará produziu 2,8 milhões de toneladas, segundo dados do governo estadual. Hoje, a tonelada é comercializada por cerca de US$ 1,7 mil, o que dá, na cotação atual do dólar, em torno de R$ 10 mil. Usando como base a produção daquele ano, seriam R$ 28 bilhões.

Em um cenário de fiscalização frouxa, moradores relatam que as fazendas avançam sobre territórios na Amazônia já demarcado, que, em tese, deveriam ser protegidos. O mesmo acontece em outras áreas ainda em fase de reconhecimento, em processos que se arrastam há anos.

Quais são os conflitos?

O Pará é líder do ranking nacional de conflitos pela terra em 2021, com 156 casos, de acordo com o mapeamento feito pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), em seu levantamento mais recente «Conflitos no Campo Brasil 2021».

Segundo a CPT, as disputas associadas ao dendê envolvem mais de 750 famílias e ocorrem nas seguintes regiões: na cidade de Acará, entre a comunidade Bucaia, do Ramal São Lourenço, com a empresa BBF, antiga Biopalma, atingindo 60 famílias; nas cidades de Acará, Tailândia e Tomé-Açu, entre as comunidades quilombolas do Alto Acará e Balsas, com a empresa Agropalma, envolvendo 650 famílias; e em Tomé-Açu, entre os indígenas Tembé da TI Turé-Mariquita I e II com a empresa BBF, envolvendo 47 famílias.

Quem são as vítimas assassinadas?

No dia 7 de novembro de 2012, cinco quilombolas sofreram atentado a tiros no distrito de Quatro Bocas, em Tomé-Açu. Foram Abiair Amaral Gusmão e Josivane Amaral Gusmão. As outras três ficaram feridas.

Em 7 de julho de 2014, a liderança Artêmio Gusmão teve o corpo esquartejado a caminho de casa, após assistir à partida entre Brasil e Colômbia, pela Copa do Mundo. Abiair e Josivane, assassinados dois anos antes, eram irmãos dele. Ainda no mesmo mês, um suspeito de envolvimento no caso foi preso.

Em 14 de abril de 2018, Nazildo dos Santos Brito, também liderança quilombola, foi morto por dois pistoleiros, no ramal da Roda D’água, também a caminho de casa. Segundo a Polícia, ele foi alvejado com cerca de 20 tiros nas costas. Nazildo era presidente da associação quilombola.

A Polícia Civil apontou como mandante o madeireiro José Telmo Zani, dono da fazenda Rio Negro. Segundo os quilombolas, a propriedade sobrepõe o território reivindicado e a área que a então Biopalma tinha interesse em comprar para plantação de dendê.

Zani e os acusados de serem os executores, Marcos Vieira e Raimundo dos Santos, foram denunciados pelo Ministério Público do Pará (MPPA), mas ainda aguardam julgamento. Os dois apontados como executores tiveram mandado de prisão preventiva decretada. Marcos Vieira chegou a ser preso, mas Raimundo dos Santos está foragido.

Em todos os três episódios, a comunidade quilombola da Amarqualta pede Justiça, pois em nenhum deles houve condenação dos autores dos crimes.

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (Segup) disse que «nenhum fato desta natureza foi registrado desde o ano de 2019» e que «equipes dos órgãos de segurança atuam diuturnamente na região com ações ostensivas para coibir conflitos e garantir a segurança da população».

A Segup afirmou, ainda, que «por meio da Policia Civil, apura todas as ocorrências realizadas nas Delegacias da Região, garantindo ainda que todas as medidas legais sejam tomadas dentro das suas atribuições, para garantia da ordem pública, salvo fatos de atribuição específica das forças federais».