Com Sergio Poletto (primeira parte)
que a Europa proíbe, mas produz e exporta
Sergio é vice-presidente da Federação dos Trabalhadores Assalariados Rurais do Rio Grande do Sul (FETAR-RS), Brasil. Ele trabalha incansavelmente percorrendo plantações e cultivos de sua região natal, Vacaria, e de todo o estado. Uma região de forte presença de soja, mas também de frutas. Nesta primeira parte da entrevista que teve com a Rel, ele traz uma visão geral de como se impõe o uso massivo de agrotóxicos em detrimento da saúde de trabalhadores e trabalhadoras, e até de seus filhos.
Carlos Amorín
26 | 2 | 2025

Sergio Poletto | Foto: Arquivo pessoal
—Você está desenvolvendo um trabalho muito importante e comprometido com a questão dos agrotóxicos que estão sendo utilizados atualmente no campo brasileiro, na produção. Você pode nos dar uma visão geral de como está a situação a esse respeito?
—Desde a criação da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Assalariados Rurais do Rio Grande do Sul, houve, sim, uma preocupação nossa em trabalhar fortemente essa questão do uso indiscriminado de agrotóxicos.
O Rio Grande do Sul tem mais de 200 mil assalariados rurais e, em todo o Brasil, há mais de 4 milhões.
Esses são os diretamente afetados pelo uso de agrotóxicos. Muitas vezes se fala dos problemas que causam para o meio ambiente, para a alimentação e tal, mas não se foca o suficiente na saúde dos trabalhadores, nas consequências que os agrotóxicos causam na saúde dos trabalhadores.
Então, com a instauração da Federação, lá em 2015 criamos um Departamento de Segurança e Saúde dentro da organização. Desde então, tenho essa missão de coordenar esse Departamento, de ser seu coordenador e responsável.
—O Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo.
—Além disso, consumimos agrotóxicos proibidos, principalmente na União Europeia. Mas aqui nós usamos. Então, essas empresas que fabricam produtos que não utilizam, enviam para cá, e nós os aplicamos massivamente.
Em muitas regiões do Brasil, acordamos pela manhã respirando agrotóxico e comendo agrotóxico no café da manhã, no almoço e no jantar.
Temos dados científicos de que já estão sendo encontrados resíduos de agrotóxicos no próprio leite materno. São dados alarmantes, e às vezes pensamos que não vamos conseguir parar com o uso de agrotóxicos, mas ao menos podemos tentar reduzir drasticamente seu uso.
Esse tema nos preocupa muito, talvez não por nós, que já temos os cabelos brancos, e a barba embranquecida, mas principalmente pelos nossos filhos, nossos netos e o futuro do nosso país.
Porque há muito pesticida no solo, nas águas, e infelizmente nos últimos governos vimos uma liberação muito grande de novos produtos químicos.
Não há controle, não há pesquisa, praticamente nada é feito sobre esses produtos. Simplesmente os fabricantes pedem sua liberação e o governo libera.
—Vocês têm detectado um impacto direto na saúde dos trabalhadores e da população em geral?
—Em algumas de nossas regiões do estado do Rio Grande do Sul temos índices elevados de pessoas com câncer, muitos filhos nascendo com sintomas de autismo.
Por exemplo, estamos fazendo em alguns municípios, como o de Vacaria, uma pesquisa que será publicada nos próximos meses sobre crianças com autismo comprovado pelos médicos.
Na maior parte desses casos tanto o pai quanto a mãe trabalham diretamente com agrotóxicos.
Participamos do Fórum Gaúcho de Impacto dos Agrotóxicos, do Fórum Nacional das Comissões de Saúde e Segurança discutindo esse grande problema das intoxicações, das não notificações por parte dos médicos, que é onde o trabalhador chega quando está intoxicado.
É um problema grave, um problema sério em todo o Brasil.
—Os médicos não têm a formação adequada para detectar e tratar essas intoxicações?
—A formação eles têm. A Comissão de Saúde e Meio Ambiente do Fórum Gaúcho de Impacto dos Agrotóxicos fez uma análise no Rio Grande do Sul sobre o que chamamos de “municípios silenciosos” porque não registram nenhuma notificação dos médicos sobre intoxicações.
O Fórum Gaúcho notificou esses municípios, e a resposta foi que os médicos não querem se envolver. Muitos relatos que vieram das próprias secretarias municipais de saúde explicavam que frequentemente o médico é um produtor rural, ou tem conexões com a pecuária, ou com as casas comerciais que vendem os agrotóxicos. No Brasil inteiro ocorre isso.
Sempre reclamamos que as faculdades de medicina ofereçam uma formação adequada aos alunos, mas sabemos que quem frequenta esses cursos vem dos setores mais abastados. Eles não querem proteger quem trabalha no campo e enfrentar seu meio social.
—Você mencionou que participou, como Federação, de um fórum nacional sobre esse tema. O que você lembra das conclusões mais importantes que surgiram nesse fórum?
—A Câmara dos Deputados do estado do Ceará, no nordeste do país, aprovou em 2019 a Lei Zé Maria do Tomé que proibia a aplicação aérea de agrotóxicos. Mas recentemente foi revogada.
O poder econômico do agronegócio é muito forte. Aqui no Rio Grande do Sul também tivemos vários episódios em que grandes empresas do agronegócio aplicaram agrotóxicos via aérea e acabaram com a produção orgânica de vários empreendimentos.
Fizemos denúncias, abriu-se um processo judicial que, finalmente, não deu em nada. E eles continuam fazendo aplicações aéreas. Atualmente vários estados têm projetos de lei para levantar a proibição das pulverizações aéreas de agrotóxicos que muitas vezes são feitas com drones.
—Os trabalhadores não usam proteção?
—O assalariado rural é um empregado, e muitas vezes o patrão manda aplicar o agrotóxico sem equipamentos de segurança como máscaras, macacões, botas e o trabalhador, para não perder o emprego, faz isso… e a intoxicação virá depois.
—A mudança de governo recente não melhorou as coisas?
—No começo tínhamos a expectativa de que com o governo de Lula poderíamos deter a liberação desses agrotóxicos.
Mas em todos os âmbitos estaduais e nacionais que tratam desse tema, inclusive do Conselho de Fóruns Estaduais, que é o Fórum Nacional, diria que há desmotivação com relação a esse tema, porque também com o governo de Lula continua a liberação desses agrotóxicos.
O governo do Ceará, por exemplo, é do PT, e foi o que sancionou o fim da aplicação dos agrotóxicos via aérea. Mas agora foi ele mesmo quem enviou para a Assembleia Legislativa a revogação da proibição da aplicação de agrotóxicos via aérea.
Estamos vendo a grande pressão do agronegócio sobre o governo de Lula para manter essa liberação dos agrotóxicos e, infelizmente, está conseguindo.
Enquanto mantínhamos a entrevista, Sergio pediu uma interrupção pois precisava atender algo urgente. Alguns minutos depois, ao retornar, seu relato posterior foi assustador…
—É que há um grupo da Argentina que está aqui desde alguns dias e estamos protegendo como vítimas de trabalho análogo à escravidão. Esses três jovens fugiram de uma contratante, mulher, que os agrediu, ameaçou com uma arma, e agora eles estão sob nossa proteção.
Acabou de chegar o pessoal da fiscalização do Ministério do Trabalho, a quem vamos passar o caso para ver se conseguem pegar essa contratante, porque é bem terrível.
Ela já me ameaçou duas ou três vezes. Disse que queria me encontrar na rua um dia para me dar uma lição de moral. Então, tenho que me cuidar também.
—Ela escapou da Idade Média….
—É terrível, anda armada. Os meninos disseram que ela os agrediu, que fugiram e tiveram que deixar toda a roupa no local. Faz 30 dias que estão trabalhando com ela e não receberam absolutamente nada. Ela chegou a cobrar 25 reais (ndr.: quase 4,5 dólares) por uma lata de Coca Cola, pois eles não tinham acesso a água potável. Que loucura!
—Chegam com frequência muitos trabalhadores safristas argentinos?
—Deve fazer uns dois ou três anos que vêm. Neste momento, são entre 3.000 e 4.000 trabalhando na colheita de maçã e uva.
Antes se contratavam mais os indígenas, mas agora estão preferindo os argentinos, que vêm devido à situação econômica de seu país.
Já tivemos que resgatar várias pessoas em situação de trabalho análogo à escravidão. Há fotos das condições em que os alojam. É terrível. Mas esses agora já estão nas mãos do Ministério Público e serão protegidos.