O glifosato ameaça estar no mercado por mais 10 anos
Não houve maioria suficiente entre os 27 Estados-membros da União Europeia (UE) para renovar por 10 anos o uso do glifosato, uma substância que um número crescente de estudos científicos independentes considera potencialmente cancerígena, mas que a Comissão Europeia afirma ser inofensiva para os seres humanos. Agora teremos que esperar uma nova votação que haverá em novembro.
Daniel Gatti
20 | 10 | 2023
Imágen: Allan McDonald | Rel UITA
Para se chegar a uma resolução, era necessário que pelo menos 15 dos 27 Estados-membros da UE, que também representassem 65% da população da região, se pronunciassem a favor ou contra a proposta da Comissão de prolongar as autorizações para o uso do glifosato por mais dez anos.
Não foi alcançada essa maioria no Comité Permanente dos Vegetais, Animais e Alimentos para Consumo Humano e Animal (SCoPAFF) da Comissão Europeia, e o assunto foi encaminhado para o Comitê de Apelações, que deverá se pronunciar sobre o tema na primeira quinzena de novembro.
Se também não for alcançada a maioria necessária lá, a Comissão Europeia ficará livre para decidir por si mesma, e a situação se complica, pois, com base em um relatório de julho passado da EFSA, a agência europeia de regulamentação de alimentos, o órgão executivo da UE é favorável à prorrogação do uso do glifosato no mercado da UE por mais 10 anos.
Na votação desta sexta-feira, 13, os apoiadores da aprovação da moção da Comissão foram majoritários (17 em 27), mas como representavam apenas 55% da população da região, sua proposta não foi aprovada.
Os dois países mais populosos (e poderosos) da UE, Alemanha e França, se abstiveram, mas, na essência do assunto, discordam.
A França aprova o relatório da EFSA, mas pretende que a autorização do glifosato seja prorrogada por sete anos e não por dez, com algumas restrições obrigatórias para todos os Estados-membros.
Por outro lado, a Alemanha aspira a proibir a substância e já o fez em seu território. As razões de sua abstenção ainda não estão claras.
Na França, nos dias que antecederam a essa votação, as manifestações contra a decisão do governo de conceder praticamente um cheque em branco às empresas fabricantes do veneno se intensificaram.
Organizações de pequenos agricultores, ambientalistas e cientistas independentes questionaram o que fez o governo francês recuar nos últimos meses em relação à promessa feita em 2017 pelo então recém-eleito presidente Emmanuel Macron de proibir o glifosato.
Eles trouxeram à tona um relatório muito recente de um organismo oficial, o Fundo de Indenização de Vítimas de Pesticidas (FIVP), que em 2022 reconheceu “uma possível ligação de causalidade” entre as malformações que um jovem de 16 anos apresenta desde o nascimento e o uso de glifosato por sua mãe durante a gravidez.
Em março do ano passado, o FIVP decidiu indenizar o adolescente Théo Grataloup com mil euros por mês. Ele sofreu desde muito jovem mais de 50 operações para reconstruir seu sistema respiratório e digestivo, afetado pelo Glyper, um herbicida à base de glifosato que sua mãe inalou durante anos.
Sabine Grataloup, mãe de Théo, divulgou sua história algumas semanas atrás, quando soube que o governo francês apoiaria a renovação do uso do glifosato.
“Todos os anos, como parte do meu trabalho como organizadora de cavalgadas, eu tinha que usar um herbicida à base de glifosato em nosso picadeiro. E toda vez levava vários dias para a pulverização. Quando fiquei grávida de Théo, continuei fazendo isso, e sua laringe, traqueia e esôfago sofreram malformações”, lembrou a mulher recentemente.
E protestou: “É insuportável ver agora políticos, jornalistas e líderes de opinião defenderem a prorrogação do glifosato por mais dez anos, afirmando que a ciência considera que este produto não é problemático.”