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Com Gabriel Bezerra Santos

Uma nova Contar para novos tempos

No final de outubro, ocorrerá em Brasília o segundo Congresso da Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais (Contar). Gabriel Santos, secretário geral da Federação dos Trabalhadores Rurais do Rio Grande do Sul, conversou com A Rel sobre os desafios que serão assumidos pela nova direção em um cenário altamente desfavorável para a classe trabalhadora em geral, mas especialmente para os trabalhadores rurais.

-Os assalariados e as assalariadas rurais no Brasil têm um escasso nível de organização sindical…
-É certo. Como Fetar e como o conjunto das federações de assalariados rurais – homens e mulheres – entendemos que avançar nesse sentido deve ser uma prioridade.

As federações e sindicatos tínhamos o objetivo específico de fortalecer a organização dos assalariados. Neste sentido, várias convenções coletivas foram assinadas e foi possível avançar em direitos e conquistas.

Entretanto, chegou um momento em que vimos a necessidade de aprofundar o processo de organização, e por essa razão, em 2015, criamos a Contar, com esse propósito.

Mais presença no território

-Quantos trabalhadores a Contar agrupa?
– Uns cinco milhões de assalariados e assalariadas rurais, divididos em 11 estados. Precisamos chegar a todos os estados do Brasil.

– Este será um dos objetivos da nova direção da Contar?
-Já vínhamos propondo desde a Federação do Rio Grande do Sul, mas queremos nos aprofundar na articulação e marcar alguns eixos prioritários de trabalho.

O Brasil está vivendo um momento muito complicado com relação ao recorte ou eliminação de direitos trabalhistas e sociais, um processo de enorme gravidade e sem precedentes.

A reforma trabalhista aprovada no final de 2017 destruiu os direitos da classe operária e não trouxe nenhum benefício. E está latente a reforma da previdência social, que afetará muito e para pior os assalariados e as assalariadas rurais.

A luta do movimento sindical, juntamente com os agricultores familiares, para impedir que esta reforma ocorra, pelo menos por enquanto, conseguiu manter as condições de aposentadoria, ou seja, 55 anos de idade para as mulheres e 60 para os homens com 15 anos de serviço.

O governo de Jair Bolsonaro está vendo como precarizar ainda mais as condições de trabalho e estão pensando em eliminar ou flexibilizar as normas regulamentadoras do trabalho, como a número 31, que regula o uso de máquinas e implementos agrícolas.

Menos estado, mais pobreza e precarização

-Como a reforma trabalhista afetou os trabalhadores rurais?
-Sob o governo anterior, de Michel Temer, foi votada a Emenda Constitucional do Teto dos Gastos Públicos, também conhecida como PEC do Teto, que congela as verbas para saúde e educação por 20 anos. A medida afetou a prestação de saúde dos trabalhadores e trabalhadoras rurais, que em sua maioria não conta com uma cobertura médica.

O corte orçamentário torna cada vez mais difícil para o trabalhador rural ter acesso a um médico.

Além disso, não há mais a obrigatoriedade de pagar as horas utilizadas pelo trabalhador rural para se locomover (horas in itinere) até as instalações onde trabalha. Com isso, os salários sofreram uma redução média de entre 600 e 700 reais, perda bastante significativa para quem recebe salários irrisórios por trabalhar no campo.

Vive-se um retrocesso generalizado, portanto é imperativo articular ações para resistir e começar a propor saídas.

Sozinhos é impossível…

-Como vocês planejam fazer isso?
-Estamos trabalhando conjuntamente com deputados e senadores para criar uma frente de assalariados do campo, porque acreditamos ser necessário divulgar o que fazemos e a importância que temos perante a produção agrícola e pecuária do país.

Também queremos aprimorar a capacitação e a formação, não só dos trabalhadores, mas também dos dirigentes sindicais.

E as mulheres?

-E qual será o espaço de participação das mulheres na Confederação?
-Este é um debate que estamos tendo há tempo. Em primeira instância, aplicaremos um sistema de cotas que garanta uma participação de pelo menos 20 por cento de mulheres nos espaços de decisão da organização.

Já há federações estaduais que contam com um sistema bastante equitativo de representação de gênero.

Mas vale destacar que a mão-de-obra de nosso setor é essencialmente masculina.

Dos 5 milhões de trabalhadores rurais que já mencionamos, apenas 11 por cento são mulheres. Este é um fator que dificulta a participação real das mulheres no âmbito sindical.

Mas, sem dúvidas, é um déficit a cobrir.

-O que acontece com as esposas dos trabalhadores rurais que trabalham nos afazeres domésticos ou de limpeza nos estabelecimentos e muitas vezes trabalham sem carteira assinada, na informalidade?
– Acontece que essas mulheres, que vão acompanhar seus maridos ou que se mudam com eles, são contratadas para cozinhar ou para fazer a faxina dos estabelecimentos ou das empresas. E, se por um lado são pagas pelas tarefas que realizam, por outro os empresários não pagam as contribuições correspondentes para a previdência social.

Muitas alcançam a idade de se aposentarem e ficam completamente desamparadas.

Também tivemos casos de grávidas que não tiveram acesso ao auxílio maternidade, isso sem falar do acesso à saúde no caso de acidentes trabalhistas.

É necessário construir uma política que transcenda o sindical, que seja uma política pública.

A presidenta Dilma Rousseff, durante o seu segundo mandato, havia começado a diagramar algo com o Programa Nacional de Trabalhadores Rurais, que após o seu impeachment, terminou em nada.

-Como você avalia o papel da Rel UITA nesta nova fase?
– Será uma aliada fundamental para a Confederação, especialmente porque nos oferece uma projeção internacional para a defesa de nossos direitos como trabalhadores e assalariados rurais e porque será nossa parceira na formação e capacitação sindical.

Por essa razão, estamos aqui em Montevidéu, para traçar linhas de trabalho junto com a Secretaria Regional.

É preciso unir forças.