Glifosato
Carlos Amorín
24 | 7 | 2024
Foto: Página 12
Recentemente, várias organizações de países latino-americanos e uma da Alemanha se uniram para denunciar a Bayer perante a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) pelos impactos do pesticida glifosato no meio ambiente e na saúde humana.
Segundo essa denúncia, "O uso intensivo de pesticidas contamina rios, alimentos, animais e povos indígenas. Os pesticidas são usados como arma química para confinar os povos indígenas a uma faixa de terra cada vez menor. Dependentes de rios e nascentes para acessar a água, as comunidades relatam doenças frequentes, como vômitos, dores de cabeça, abortos, dificuldade para respirar, entre outras, especialmente entre os idosos e as crianças”.
Entre os danos registrados incluem-se “o desaparecimento de espécies silvestres de aves, abelhas, borboletas, animais caçadores e a diminuição do número de peixes nos rios, bem como a perda da capacidade de produção de alimentos por águas e rios contaminados, gerando impactos na soberania alimentar” dos habitantes das regiões afetadas.
Em 2020, ocorreram 8 milhões de intoxicações por agrotóxicos na América do Sul, das quais 229 resultaram fatais.
Jaqueline Andrade, advogada de uma das organizações denunciantes, explicou que no Brasil “o nível de contaminação do solo e da água e de intoxicações tanto agudas quanto crônicas estão sempre latentes”.
“A isso —continuou a advogada— soma-se uma perda de biodiversidade, redução de cultivos de subsistência, como a mandioca, o milho e o feijão. Trata-se, portanto, de um estado de insegurança alimentar somado a graves problemas de saúde. Há casos relatados de coceira na pele, febre, vômitos, dor de cabeça, que são sintomas clássicos de intoxicação aguda, assim como muitos casos de depressão e suicídio. Segundo os estudos que já realizamos em profundidade, os pesticidas desempenham um papel relevante na contribuição para as doenças mentais”, expressou.
“Também há registros de abortos espontâneos precisamente pela deriva de pesticidas —expressou Andrade—. Existem vários estudos que demonstram a prevalência de doenças endócrinas e cancerígenas nas áreas onde há uma forte presença de agrotóxicos, com registros de ampla contaminação humana, incluindo a do leite materno”, finalizou.
Por sua vez, Larissa Bombardi, professora associada do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), afirmou que a regulamentação brasileira sobre o glifosato “não é suficiente”. A pesquisadora citou os valores toxicológicos de referência do glifosato da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), que permitem um limite de pesticida cinco mil vezes superior ao autorizado na União Europeia para a água potável.
“Concretamente —informou Bombardi—, a UE autoriza um limite máximo para o glifosato e qualquer outra substância de 0,1 micrograma por litro de resíduos, enquanto o Brasil admite 500 microgramas por litro de resíduos de glifosato, o que é cinco mil vezes mais. Evidentemente, não é razoável pensar que um ser humano no Brasil possa suportar cinco mil vezes mais resíduos de glifosato em seu próprio corpo do que uma pessoa na União Europeia”.
Entre 2010 e 2019, 56.870 pessoas sofreram intoxicação por agrotóxicos no Brasil, o que representa uma média de 5.687 casos por ano ou 15 pessoas por dia.
No entanto, o próprio Ministério da Saúde brasileiro admite que o número de casos não informados é alto e, portanto, a quantidade total real de pessoas intoxicadas é ainda maior.
A saúde de menores de idade e mulheres é particularmente preocupante. Aproximadamente 15% da população intoxicada por agrotóxicos no país são crianças e jovens adultos de 0 a 19 anos. Houve até casos de bebês intoxicados por pesticidas.
Mais de 90% das análises de água realizadas no Brasil detectaram a presença de agrotóxicos. Esse percentual aumentou de 75% em 2014 para 92% em 2017.
No entanto, não existe nenhuma legislação nacional que regule a aplicação de agrotóxicos. Cada estado e município pode decidir suas próprias regras.
Por enquanto, apenas o Ceará proíbe as pulverizações aéreas com agrotóxicos, por meio da Lei Zé Maria do Tomé, em referência ao ativista ambiental assassinado em 2010, no interior do estado. A prática está proibida na UE desde 2009, embora recentemente tenha sido estendida por mais dez anos a autorização para usar o herbicida em seu território.
A supervisão da aplicação do produto também é precária. Uma pesquisa de 2023 realizada pela Comissão Guaraní Yvyrupá (CGY), que reúne coletivos do povo guarani das regiões Sul e Sudeste do Brasil na luta pela terra, mostrou que, com exceção de três aldeias localizadas na área urbana, todos os outros povos avá-guarani estão ao lado das plantações e sofrem danos pelo glifosato.
Em alguns casos, a distância entre as plantações e as casas dos indígenas é inferior a dois metros, muito abaixo do que determina a Portaria 129/2023, do governo do Paraná, que exige uma distância mínima de 50 metros das fontes de água, centros populacionais, escolas, entre outros, para a aplicação terrestre de pesticidas.
A pesquisa também mostra que as aldeias têm cerca de 60% de seus territórios apropriados para a agroindústria, com apenas 1,3% ocupado por fazendas e moradias indígenas e 12% por áreas florestais.
+ O glifosato, classificado como substância “provavelmente cancerígena” pela agência de pesquisa sobre câncer da OMS, foi o Pesticida Altamente Perigoso (PAP) mais vendido em 2018 em todo o mundo. A Bayer, a empresa que lidera sua produção, registrou naquele ano lucros de 841 bilhões de dólares apenas com esse agrotóxico.
+ 49% da agricultura brasileira é tratada com PAP.
+ Em 2018, o Brasil foi o país que proporcionou a maior quantidade de lucro para as cinco maiores corporações do setor no mundo: 3,3 bilhões de dólares.
+ A cada ano, o Brasil importa da União Europeia mais de 10 mil toneladas de pesticidas proibidos na própria UE!
+ Depois da Nigéria e da Índia, o Brasil é o país que aplica a maior porcentagem de PAP em seus campos.
+ Quatro corporações são proprietárias de 97% do mercado de sementes transgênicas no Brasil.