No jardim das delícias… transgênicas
Carlos Amorín
27 | 8 | 2024
Foto: Gerardo Iglesias
No último dia 1º de agosto, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) do Brasil aprovou a liberação comercial de uma nova variedade de soja transgênica produzida pela Monsanto, propriedade da Bayer, que usará pela primeira vez no mundo um coquetel de quatro agrotóxicos misturados. Além disso, foi dispensada de controles de campo, o que tornará impossível verificar seus efeitos adversos uma vez plantada.
Mais uma vez, o Brasil é usado como laboratório mundial pelas corporações transnacionais de sementes e agrotóxicos. Nos últimos meses, a Monsanto pressionou para que a CTNBio, ainda com uma composição esculpida por Jair Bolsonaro, acelerasse a aprovação deste evento.
Foi essa mesma CTNBio que, a partir de 2021, começou a conceder sistematicamente a dispensa de controles de campo para os novos cultivos transgênicos liberados comercialmente.
Os quatro pesticidas do transgênico recentemente aprovado —2,4-D (proibido na Argentina), Dicamba, Mesotriona e Glufosinato de Amônio (proibido na Europa)— serão usados combinados em uma única aplicação para reduzir custos. Não foram estudados quais serão os efeitos nocivos dessa mistura no ambiente e nos seres humanos, e tampouco serão.
O pedido de autorização foi apresentado astutamente em 26 de dezembro de 2022, uma época do ano em que geralmente se está com outras coisas na cabeça. A partir daí, o trâmite seguiu um caminho sem obstáculos, chegando em tempo recorde à CTNBio.
Embora Bolsonaro tenha redesenhado a composição da Comissão "à sua imagem e semelhança", deixou nela dois membros com sensibilidade ambiental para manter um pouco as aparências.
Foi precisamente um deles, Leonardo Melgarejo, engenheiro agrônomo vinculado a organizações ambientalistas, quem solicitou mais informações antes de proceder à votação: “Me chamaram a atenção os riscos e decidi pedir que me ampliassem os dados”, afirmou.
“Um dos pontos de atenção —acrescentou Melgarejo— é que a tecnologia induz aqueles que trabalham no campo a usar uma mistura de químicos nunca antes vista. Isso se deve ao fato de que os quatro pesticidas aos quais a semente é resistente devem ser misturados no momento da aplicação.
Eles vão aplicar um coquetel sobre o qual não há estudos de risco na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) nem no Ministério da Saúde. Lançar uma tecnologia sem levar em conta esse tipo de repercussão é perigoso”, advertiu o engenheiro agrônomo.
Para Gabriel Fernandes, representante do Ministério do Meio Ambiente na Comissão e o outro sobrevivente da varredura bolsonarista, a dispensa de monitoramento é problemática quando se trata do produto mais plantado no país: “Estamos falando de 46 milhões de hectares —observa—. Não conhecemos o efeito desses OGM, das possíveis combinações, do que acontecerá a médio e longo prazo, nem a escala em que essa tecnologia será adotada”, finalizou.
A verdade é que essa cultura só foi testada em três locais nos Estados Unidos, mas a variedade nunca foi liberada comercialmente naquele país. No Brasil, foram iniciadas plantações de teste, mas sua análise ainda não foi concluída. Esses agrotóxicos nunca foram testados em combinação, apenas individualmente.
A postura da Monsanto/Bayer é muito clara: vamos implantar isso no Brasil, onde fazemos o que queremos. Lá, o meio ambiente não importa, nem os trabalhadores e trabalhadoras rurais que devem aplicar o veneno, e tampouco os eventuais consumidores do produto. Na melhor das hipóteses, serão considerados danos colaterais. Tudo em nome do aumento da produtividade! E como maior produtor de soja do mundo, o Brasil colocará pressão sobre o restante do mercado.
Tradicionalmente, o Brasil tem sido o mercado secundário para agrotóxicos proibidos em outras partes do mundo, especialmente na União Europeia (UE). O Glufosinato de amônio, por exemplo, um dos quatro pesticidas aos quais essa soja transgênica é resistente, foi proibido na UE em 2009.
Essa decisão foi tomada com base em mais de 113 estudos que demonstraram que essa substância provoca intoxicações agudas e crônicas, causa convulsões, perda de memória e alterações respiratórias. Além disso, inibe a fotossíntese, um processo crucial para a sobrevivência das espécies vegetais, e provoca intoxicação por bioacumulação em animais.
Na opinião do engenheiro Melgarejo, “Com a aprovação deste evento, está se resolvendo um problema da indústria química, que vinha enfrentando dificuldades para colocar o Glufosinato de amônio após a proibição europeia”. Em 2022 —último ano com dados disponíveis— foram comercializadas 18,4 mil toneladas desse veneno no Brasil, onde atualmente há 42 produtos registrados que contêm esse ingrediente ativo.
Para completar o filme de terror, acontece que durante a colheita da soja sempre se perdem grãos (sementes viáveis) que permanecem no campo e germinam. Como a soja geralmente é intercalada com cultivos de milho, é necessário “limpar” a terra antes do plantio, e para isso é recomendado o uso de Atrazina.
Esse agrotóxico foi proibido na UE em 2004, depois que dados obtidos através do monitoramento ambiental mostraram uma contaminação da água subterrânea acima do nível considerado aceitável. “Os estudos mostram que esse pesticida ainda se encontra hoje nos rios europeus”, afirma Sônia Hess, professora aposentada da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
A pesquisadora lembra que, no Brasil, a Atrazina foi aprovada em 2003, ou seja, um ano antes de ser proibida na UE. “Mais uma vez —observa—, absorvemos uma boa parte do mercado que a indústria perdeu com a proibição da venda do produto na maior parte da Europa”. Em 2022, foram comercializadas 77 mil toneladas no Brasil. Hoje, há 78 produtos comerciais registrados no país com esse ingrediente ativo.
Essa característica do Brasil de ser um laboratório mundial para os experimentos das transnacionais agroindustriais se expressa claramente quando se analisam certos dados. Um relatório conjunto publicado por O Joio e o Trigo¹ e Fiquem Sabendo² comprovou que, entre outubro de 2022 e agosto de 2024, ocorreram 752 atividades do Poder Executivo nas quais houve a presença de pelo menos um lobista ou empresa do agronegócio e da indústria química. Ou seja, uma reunião a cada 4 horas e 48 minutos.
A investigação revelou que uma em cada dez dessas reuniões ocorreu na Secretaria de Defesa Agropecuária (nome sugestivo, se é que há), e que esses contatos se intensificam nos períodos em que estão sendo tramitadas leis que dizem respeito ao setor.
No momento em que se discutia a reforma tributária, o Ministério da Economia se reuniu 40 vezes com entidades ligadas ao agronegócio ou à indústria química, enquanto se reuniu apenas nove vezes com organizações sociais.
Em todo este processo, metade dos vetos interpostos pelo presidente Lula à nova lei de agrotóxicos foram derrubados pelo Congresso, e a lei ainda continua sem regulamentação, de modo que ainda prevalecem as disposições bolsonaristas, ou seja, ruralistas.
Os dados também mostram que em 58% dessas reuniões entre o setor privado e o Executivo, estiveram presentes Bayer, Basf ou Syngenta.
Os resultados do relatório revelam com total clareza que existe um acesso privilegiado e frequente a portas fechadas do setor privado ao governo federal, enquanto se dificulta ou impede a participação em espaços definidos de debate, como audiências públicas. E isso se reflete nas políticas mais recentes, que beneficiam os fabricantes de agrotóxicos.
¹https://ojoioeotrigo.com.br/
²https://fiquemsabendo.com.br/