Vírus H5N1 chega ao Brasil
Carlos Amorín
30 | 6 | 2025

Em fevereiro de 2004, a Rel UITA publicou um artigo1 no qual alertava sobre a possível disseminação do vírus H5N1 – chamado de “gripe aviária” – na Ásia e na África, a partir da confirmação de sua presença em estabelecimentos avícolas do Vietnã, onde o vírus havia “saltado” para granjas de suínos, ou seja, havia ultrapassado a barreira das espécies e atingido os mamíferos.
Além disso, já se advertia naquela época sobre a importância de considerar o modelo de produção como um dos principais fatores de risco para sua propagação: o confinamento de milhares de aves em enormes galpões mal ventilados, as rações industriais, a baixa higiene das instalações, a administração sistemática de antibióticos pela água – o que, por fim, enfraquece o sistema imunológico dos animais – entre outros aspectos.
Em 2006, a Rel UITA publicou outro artigo2 repercutindo os alertas então divulgados pela OMS, preocupada com a chegada da gripe aviária à Europa e à África. Infelizmente, nada foi dito pela OMS sobre o sistema de produção “modo industrial”, inclusive “aperfeiçoado” na Europa, o que claramente colocaria em xeque o critério capitalista de priorizar o lucro em detrimento da saúde dos trabalhadores e consumidores.
Começavam a surgir vozes chamando a atenção para o lucrativo negócio que certos laboratórios estavam montando, aproveitando-se do medo cada vez mais alardeado sobre a possibilidade de o H5N1 – que já havia causado dezenas de mortes humanas na Ásia – se transformar em uma pandemia, e apressando-se para patentear “medicamentos milagrosos” contra a doença.
Milhões de aves foram sacrificadas em todo o mundo, alguns países adotaram medidas de proteção para os trabalhadores e trabalhadoras, mas o modelo de produção permaneceu inalterado, permitindo que o vírus continuasse se espalhando para novos horizontes.
Em 30 de janeiro de 2023, foi publicado neste site um dossiê3 completo – cuja leitura recomendamos – que, remontando mais de cem anos, descreveu desde a descoberta do vírus, o nascimento e evolução da criação industrial de aves, até a chegada dos fundos de investimento na atividade, acentuando ainda mais os já estressantes sistemas de produção.
“Os alimentos perdem qualidade quando sua produção é tomada por investidores privados que promovem sistemas produtivos baseados em taxas de retorno fixas, ou seja, lucro a qualquer preço. O mesmo que ocorre na indústria avícola, que em suas plantas de processamento impõe ritmos de trabalho desumanos, está acontecendo em todo o setor alimentício: as matérias-primas perdem qualidade, os sistemas de produção e trabalho provocam lesões em trabalhadores e trabalhadoras, e doenças nos consumidores”, apontava o dossiê.
Naquele momento, o vírus já havia chegado ao Canadá e aos Estados Unidos, onde 37 milhões de aves foram sacrificadas.
“O atual surto ainda não registrou casos na América Latina – dizia o relatório de 2023 –, e, portanto, a demanda internacional pressiona os produtores da região para preencher o vazio deixado nos países afetados, o que certamente promoverá uma investida da indústria para encurtar ainda mais os tempos de produção e impor ritmos ainda mais intensos aos trabalhadores e trabalhadoras.
Impõe-se, assim, um estado de alerta laranja por parte das organizações sindicais em torno deste tema, para que não sejam os trabalhadores e trabalhadoras os que paguem com sua saúde pela desorganização do sistema produtivo das corporações internacionais”, finalizava.
No último dia 15 de maio, o Ministério da Agricultura e Pecuária do Brasil (MAPA) confirmou a presença pela primeira vez no país do vírus H5N1. O surto foi detectado em uma granja avícola no Rio Grande do Sul, a 300 quilômetros da fronteira com o Uruguai. Mais de uma dezena de países suspenderam suas importações de frango do Brasil, que é, além disso, o maior produtor mundial de carne de ave.
A cepa já está presente em todos os continentes, com exceção da Oceania; foi detectada em pinguins da Antártida e em camelos do Oriente Médio.
“A doença foi identificada em aves e mamíferos silvestres nos 50 estados dos Estados Unidos, e já não está restrita às granjas, tendo, segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), infectado mais de mil vacas leiteiras. Também ocorreram ao menos 70 infecções humanas e uma morte”, informou a BBC Brasil.
Até agora, o H5N1 não passou de um ser humano para outro. Todos os contágios ocorreram por contato com animais contaminados. Mas os cientistas se perguntam se uma mutação que permita a transmissão entre humanos não é apenas uma questão de tempo.
“Em abril, foram registrados 59 surtos em aves domésticas, além de 44 em outras aves e mamíferos nas Américas, Ásia e Europa, segundo a Organização Mundial de Saúde Animal (WOAH). Desde dezembro de 2024, também houve casos humanos de H5N1 nos Estados Unidos, Reino Unido, Índia, México, Camboja e Vietnã”, afirma a BBC Brasil.
Esse avanço inexorável do vírus por todo o planeta, e o grande temor que provoca sua potencial capacidade de mutação para se transformar em uma possível pandemia humana, ainda não são suficientes, no entanto, para incluir na análise científica das causas do desenvolvimento exponencial do H5N1 o modelo industrial e estressante de produção.
Como diz o ditado, não há pior surdo do que aquele que não quer ouvir, e os poderosos interesses e enormes capitais envolvidos na atividade são suficientemente fortes para causar uma surdez profunda em muita gente
Os sindicatos do setor devem estar em alerta, pois, no caso de disseminação do vírus por todo o Brasil e pela região, os trabalhadores e trabalhadoras serão os primeiros a sofrer as consequências.
Apesar de que algumas exportações para destinos secundários já foram parcialmente liberadas e voltaram a fluir, o modelo de produção não foi modificado – nem mesmo corrigido – e a possibilidade de uma pandemia está à espreita.
² http://www6.rel-uita.org/salud/gripe-aviar-2.htm
³ https://rel-uita.org/pdfs/20230130_Ese_no_es_mi_pollo_(ES).pdf