“Sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só.
Sonho que se sonha juntos, é realidade”
(Prelúdio – Raul Seixas)
Com um olhar diferente para muitas das participantes desses encontros do Clamu, Valéria contou sua experiência pessoal como mãe e ex-esposa de uma pessoa LGBTI.
Com seu caloroso sotaque baiano e tom pausado, ela cativou os mais de 40 participantes do Conversatório, que ouviram com atenção uma história de superação.
Valéria começou a cantar uma estrofe de uma música de Raul Seixas, fazendo assim uma analogia com a sua realidade de militante e de mãe de filho gay.
“Eu acreditava que era uma educadora aberta e completamente desconstruída, até que descobri que meu filho mais novo era homossexual”, disse.
Ela lembra que passou a sentir uma rejeição pelo filho, que durou pelo menos um ano e meio, impedindo-a de demonstrar qualquer tipo de afeto.
“Eu era evangélica, e nessa religião ser homossexual é pecado, é considerado antinatural e eu tinha toda aquela série de preconceitos, embora eu acreditasse que não tinha”, confessa.
“Um dia estávamos assistindo TV e meu filho, então com 14 anos, me perguntou quando eu tinha decidido ser heterossexual. Eu respondi irritada: Mas você é abestalhado? Não decidi ser heterossexual, nasci assim. Então, meu filho foi para o quarto dele repetindo: ‘Ela não escolheu ser hétero, ela nasceu hétero’, e naquele momento eu percebi o que tinha feito.
Valéria contou que naquela noite ela chorou e chorou, sentiu muita culpa e não pôde falar sobre isso com o filho até o dia seguinte.
“A homossexualidade não é uma decisão, a gente não acorda um dia e diz ‘hoje me tornei homossexual’. É uma condição”, reflete.
Passado esse momento e por recomendação do seu filho, ela entra em contato com o coletivo Mães pela Diversidade.
Ela começa a participar do coletivo, mas ao perceber algumas limitações impostas pelo grupo, resolve sair e formar, junto com outras pessoas, o coletivo Famílias pela Diversidade, que atualmente apoia, assessora e oferece um espaço para todas aquelas pessoas LGBTI que por qualquer motivo tiverem que deixar suas casas.
O coletivo participa da gestão de uma residência temporária, “Casa Aurora”, onde por um máximo de seis meses - pois a capacidade da casa é pequena - 11 pessoas LGBTI recebem alojamento, assistência médica e psicológica, e também são oferecidos cursos técnicos que lhes permitem encontrar uma oportunidade de trabalho.
“Este projeto foi uma iniciativa da Associação de Diversidade e Inclusão da Bahia, da qual participamos”, explica Valéria, acrescentando que este é “um espaço muito importante, porque muitas pessoas LGBTI acham extremamente difícil enfrentar suas famílias ou conseguir ser aceitos por elas”.
“No nosso coletivo apoiamos principalmente as famílias e tentamos fazer com que a pessoa volte para casa. Nem sempre temos sucesso, mas é o que procuramos conseguir”, afirmou.
A história foi tão bem contada que o tempo do Conversatório passou muito rápido e encurtou o tempo em que as e os participantes podiam fazer perguntas para a Valéria.
Mais do que perguntas, houve agradecimentos e relatos de algumas experiências pessoais. Como sempre, as duas horas de reunião foram poucas para o tanto que havia para conversarmos e trocar ideias.
No entanto, tenho a convicção de que desse novo encontro virtual saímos com uma visão mais ampla sobre valores como respeito e empatia e, principalmente, sobre aquilo que ainda precisamos aprender, ou talvez desaprender, com relação a certos comportamentos discriminatórios arraigados na nossa sociedade.
Também estou convencida de que juntas vamos pelo caminho certo.
NT: A frase utilizada no prelúdio da música de Raul Seixas é de autoria de Yoko Ono.