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Análise detecta moléculas de agrotóxicos em 70 crianças

O Estado de costas

Carlos Amorín

23 | 10 | 2024


Imagem: Allan McDonald - Rel UITA

Recentemente, a Radio France e o jornal Le Monde divulgaram um estudo toxicológico realizado em 70 crianças de 3 a 17 anos que vivem na região agrícola e cerealista de Aunis, que detectou a presença de 14 substâncias perigosas na urina e 45 em seus cabelos..

A quantidade desproporcional de casos de câncer pediátrico na região levantou suspeitas entre os moradores, que, após anos de pedidos por ação estatal, decidiram agir por conta própria e financiaram a análise em um Centro Hospitalar Universitário (CHU) homologado para esse tipo de estudo.

Ambos os meios franceses tiveram acesso aos resultados da investigação, onde “Foram encontradas 14 moléculas diferentes na urina das crianças e 45 nos cabelos. Entre elas, substâncias proibidas há muito tempo, mas conhecidas por sua persistência no meio ambiente, como o PCP (Pentaclorofenol)¹ , um cancerígeno comprovado”, explica Laurence Huc, diretor de pesquisa do Instituto Nacional de Pesquisa sobre Agricultura, Alimentação e Meio Ambiente (INRAE), que analisou os resultados para a associação de moradores.

Fungicidas e herbicidas em toda parte

Em mais de 15 por cento das crianças também foi encontrado o fungicida Folpet, suspeito de ser cancerígeno para humanos, segundo a Agência Europeia de Produtos Químicos (ECHA), e o herbicida pendimetalina, classificado como possível cancerígeno pela EPA dos Estados Unidos, detectado em 20 por cento das amostras de cabelo.

Surpreendentemente, também foram encontradas moléculas de pesticidas proibidos, como vários neonicotinóides, vetados desde 2018. “Se essa molécula está presente, significa que as crianças foram expostas nos dias anteriores. Para mim, isso provavelmente indica que houve uso ilegal desse pesticida, que é um poderoso neurotóxico”, afirmou Jean-Marc Bonmatin, químico e toxicologista, especialista em neonicotinóides.

Os surdos que não querem ouvir

Os resultados dos testes foram apresentados às famílias em uma reunião pública. Resta saber qual valor as autoridades darão a essas provas “cidadãs”.

De acordo com um especialista da Agência Nacional de Segurança Sanitária (ANSES), “a interpretação sanitária desse tipo de informação é difícil, pois, infelizmente, não existe um limite para os resíduos de pesticidas na urina ou nos cabelos. No entanto, esses dados são interessantes e devem ser investigados, pois nos permitem fazer um inventário da exposição das populações a todas essas moléculas”.

Para a associação de moradores Avenir Santé Environnement, que iniciou as análises, o Estado deve se responsabilizar pela questão. “Denunciamos a responsabilidade do Estado por autorizar o uso de certos produtos, mesmo sendo perigosos”, afirma Franck Ringet Girollet, presidente da associação. Entre 2008 e 2020, o Hospital Universitário de Poitiers já havia identificado 10 casos de câncer pediátrico. Desde 2020, a associação contabilizou cinco novos casos relacionados a agrotóxicos proibidos.

Diante dos resultados dessas investigações, a Agência Regional de Saúde (ARS) oficial de Nouvelle-Aquitaine, a área envolvida, declarou que não desejava “comentar sobre estudos civis não cientificamente comprovados”.

A associação Avenir Santé Environnement realizou recentemente uma marcha pedindo “uma verdadeira transição agrícola” e “um plano para eliminar progressivamente os pesticidas sintéticos”.


Fontes: Radio France, Le Monde, Huffingtonpost França.