#SoniaLivre
No dia 3 de abril, o Comitê Latino-Americano de Mulheres da UITA (CLAMU) realizou uma nova reunião virtual na qual a doutora Luciana de Carvalho, auditora fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego e coordenadora regional do Projeto de Inclusão de Pessoas com Deficiência e Reabilitadas no mercado de trabalho, atualizou o caso de Sonia Maria de Jesus
Amalia Antúnez
9 | 4 | 2025

Imagem: Rel UITA
A participação da auditora fiscal se insere na campanha Março Trabalhadoras em Ação, promovida pelo Clamu para dar visibilidade ao trabalho sindical das mulheres.
A dinâmica deste ano também incorporou o pedido geral pela liberdade de Sonia, campanha à qual as filiadas da Rel UITA aderiram desde o início.
“Devo começar dizendo que é uma enorme alegria poder participar dessa reunião, poder compartilhar com companheiras e companheiros de toda a América Latina sobre uma situação que me toca pessoalmente e porque, depois que a Rel UITA abraçou essa causa, conseguimos fazer com que a campanha pela liberdade de Sonia transcendesse as fronteiras do Brasil”, afirmou Luciana.
A auditora lembrou que foi convocada a participar deste caso após o grupo especial de combate ao trabalho escravo do Ministério do Trabalho realizar a ação fiscal e confirmar que a resgatada era uma trabalhadora surda. Sonia foi resgatada da casa do desembargador Jorge Luiz Borba, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em junho de 2023.
Luciana trabalhava então no Projeto de Inclusão para pessoas com deficiência.
“Eu não fiz parte da ação fiscal de resgate, apenas fui convidada porque Sonia é uma trabalhadora com deficiência auditiva e como trabalho nessa área, os colegas me convocaram”, explicou.
Luciana destacou que o desembargador acusado de manter Sonia em condições análogas à escravidão por mais de 40 anos é uma pessoa importante. Tanto que a ação fiscal só foi deflagrada quando a investigação já estava robusta, após vários meses da denúncia anônima.
“A ação fiscal que tirou Sonia da casa dos Borba envolveu o Ministério Público do Trabalho (MPT), o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a Defensoria Pública da União, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, que solicitou permissão ao Superior Tribunal de Justiça para realizar a ação de resgate. Todas os parceiros envolvidos determinaram que se tratava de um claro caso de “trabalho escravo moderno”, destacou a auditora.
No entanto, três meses depois, o mesmo Superior Tribunal de Justiça, através do ministro Mauro Campbell, que havia autorizado o resgate, permitiu que Sonia fosse visitada pela família do desembargador e voltasse para a casa de onde havia sido resgatada.
O motivo dessa decisão foi que Sônia era ‘como se fosse da família”.
Para tentar impedir essa ação, de forma inédita, a Defensoria Pública da União entrou com um pedido de Habeas Corpus para a vítima (Sônia), recurso geralmente usado em favor do acusado.
“A questão foi que tanto o STJ , através do ministro Mauro Campbell, quanto o Supremo Tribunal Federal, em decisão do ministro André Mendonça, concordaram que o desembargador Borba fosse à casa de acolhimento, onde Sonia esteve depois de ser resgatada, e a levasse caso ela manifestasse vontade de ir com eles”, disse.
“Apesar de não ser alfabetizada em português nem em Libras, Sonia se adaptou rapidamente àquela casa porque já tinha uma rotina estabelecida, frequentava as aulas de libras, convivia bem com as demais mulheres e seus filhos e até conheceu uma pessoa que conhecia Libras.
“O encontro na casa de acolhimento ocorreu com forte pressão emocional por parte dos Gayotto Borba”.
Isso aconteceu em setembro de 2023. Desde então, a família biológica de Sonia, que descobriu que essa irmã, que acreditavam estar morta ou vivendo uma vida de luxo porque assim lhes fizeram acreditar, iniciou a campanha pela liberdade de Sonia, entendendo que, judicialmente, o caso seria muito difícil de ser contestado.
“Muitas pessoas nos criticam porque Sonia ainda está na casa dos Borba. Não entendem que tanto a Auditoria Fiscal do Trabalho, quanto MPT , quanto o MPF, a Defensoria Pública, fizeram tudo o que estava ao seu alcance sem poder modificar essa situação”, apontou.
A primeira pessoa a ser denunciada, e cujo caso ainda está em andamento, foi Humberto Camasmie, um auditor fiscal com longa trajetória e comprovada experiência no resgate de trabalhadores em condições análogas à escravidão, “uma pessoa sensível e vocacional, pois foi ele quem comandou a ação fiscal de resgate de Sonia”.
“Humberto foi acusado de violar o sigilo da causa ao dar uma entrevista a um canal de televisão. No entanto, ele o fez depois que o caso já havia sido exposto. Foi um ataque direto à política pública de resgate de pessoas em condições análogas à escravidão, que é coordenada pela Auditoria Fiscal do Trabalho”, afirmou.
Luciana expuso otro aspecto surreal: que la Procuraduría Federal denunció al juez Borba por crimen de reducción a condición análoga a la de esclavo, pero no fue consecuente con eso.
“Un acusado por esclavista fue luego autorizado por la Justicia Federal y estadual a llevarse nuevamente a su supuesta víctima mientras el caso sigue en curso. Es de locos”, exclamó.
Luciana se emocionou ao descrever a Sonia de hoje como alguém completamente diferente daquela que foi resgatada em 2023.
“Apesar de a justiça ter autorizado seu retorno à casa dos Borba, ela conseguiu passar por uma transformação substancial, entre outras coisas porque foi exigido que ela continuasse o curso de Libras e que ela visse sua família biológica, embora com muitas dificuldades”, disse.
Sonia sabe do amor e da energia que milhares de pessoas no Brasil e no mundo têm demonstrado por ela ao participarem da campanha mundial pela sua liberdade, e hoje é uma mulher que sorri.
“Deixou de ser uma pessoa que obedecia, retraída, para alguém alegre que expressa desejos, tem sua melhor amiga na Associação de Surdos, onde faz o curso de Libras, e é completamente apaixonada por seus irmãos e irmãs, com quem se vê sempre que podem se deslocar de São Paulo para Santa Catarina e recebem permissão para visitar”.
Luciana tem participado de alguns dos encontros esporádicos de Sonia com sua família biológica. Para a auditora, que se considera amiga de Sonia, ela não é filha do desembargador Borba, como ele e sua esposa dizem.
“Na casa dos Gayotto- Borba, Sonia nunca foi tratada como filha, e isso fica evidente, não apenas porque ela nunca teve o direito de se educar, ou de comprar roupas, ou de socializar com outras pessoas, ou de ter algo tão básico quanto documentos e plano de saúde, mas também pelo contraste entre ela e os filhos do casal, todos profissionais bem-sucedidos e que vivem uma vida de liberdade e autonomia”, destacou.
Para nós, da Rel e do Clamu, depois de ouvir o relato de Luciana, ficou ainda mais claro que o recurso de adoção de Sonia pelo desembargador Borba foi apenas uma manobra para escapar dos tribunais.
Também ficou claro que a justiça frequentemente vê mais a conta bancária do que os fatos.