Com Leandro Carvalho
Gerardo Iglesias
5 | 8 | 2024
Leandro Carvalho | Foto: Gerardo Iglesias
Farmacêutico no Laboratório de Toxicologia do CEST Fiocruz, Leandro Carvalho foi um dos palestrantes do Seminário Nacional de Saúde e Trabalho no setor de Alimentação da Confederação dos Trabalhadores da Alimentação (CONTAC/CUT) e a Rel UITA que ocorreu nos dias 25 e 26 de julho em Chapecó.
Durante sua palestra surgem dados alarmantes sobre acidentes com vazamento de amônia e o descaso de uma indústria que, embora cada vez maior, pouco se importa com a vida de sus trabalhadores e trabalhadoras.
—Como se explica que em indústria com tamanho crescimento, tanto em nível local como mundial aconteça este tipo de acidentes com tanta frequência?
—Realmente são dados alarmantes e que podem ser evitados o pelo menos minimizados porque a indústria frigorífica brasileira conta com os recursos suficientes para realizar uma manutenção adequada de suas unidades ou realizar uma mudança do sistema de refrigeração.
Mas trata-se da lógica capitalista que a gente está cansado de ver em todo mundo, o lucro acima de tudo. Não tomar as devidas medidas de segurança e saúde para os trabalhadores que acabam se tornando descartáveis.
As empresas preferem que aconteça um acidente, que a vida de seres humanos esteja em risco do que investir em melhores condições de segurança para seus frigoríficos.
—O problema é tão grave que sua palestra foi específica sobre a amônia...
—Sim, tem uma coisa que me chama muito a atenção da amônia e é o risco para os trabalhadores y trabalhadoras porque em geral, segundo estudos aqui no Brasil, os acidentes envolvendo fuga de amônia resulta sempre uma exposição aguda.
E se aprofundarmos nos estudos sobre acidentes com agentes químicos que afetam os operários, em todo o país e também no mundo, a gente percebe que eles foram visivelmente reduzidos quando se melhorou os sistemas de prevenção e controle.
Foi se conseguindo uma redução gradativa dos níveis de exposição dos trabalhadores a essas substancias, inclusive em casos de acidentes. Mas a amônia parece ir na contramão nesse sentido.
Quando estudamos esses casos, a exposição dos trabalhadores a este gás é aguda na maioria dos acidentes.
Ou seja, uma substancia absolutamente tóxica, porque a amônia é corrosiva e assim que uma pessoa entra em contato, ela terá consequências para a saúde muito graves e é isso o mais preocupante no cenário brasileiro.
—E existe uma forma de solucionar este problema?
—Existe sim. As empesas tem que investir em segurança, em prevenção, em manutenção adequada.
O uso da amônia se justifica historicamente porque ela substituiu os CFCs que agrediam a camada de ozônio e porque é uma substancia barata, mas poderia ser substituída por outros sistemas de refrigeração com glicol que é mais caro, mas seria uma opção. De fato, existem unidades mais modernas que já usam esse sistema.
Também existe plantas mais novas que, embora continuem utilizando a amônia, têm um sistema de segurança com detetores adequados, com uma estrutura de engenharia correta. Então solução sempre tem.
—Percebo também uma falta total de preparo dos trabalhadores para quando acontecem esses acidentes.
—Infelizmente a gente observa que no cenário de segurança, seja ele qual for, o Brasil está pouco preparado em geral. Se espera acontecer para depois ver o que fazer.
Os acidentes com amônia, com a frequência que estão acontecendo deveriam ter um plano de emergência, um protocolo de ação e treinamentos cotidianos para que tanto trabalhadores como a equipe de segurança saibam como atuar. Isso seria o ideal, mas ainda está muito frágil.
—Percebe-se de fora que embora aconteçam tanto acidentes de vazamento de amônia, nada muda, nem melhora...
—Comecei a estudar os casos de intoxicação com amônia recentemente e isso que você fala é o que me chamou muito a atenção. Porque quando há uma repetição dos acidentes com fuga de um gás tão tóxico, geralmente o próprio mercado se adapta para que isso não aconteça, que seja evitável, mas com a amônia acontece o contrário.
Estão acontecendo acidentes o tempo todo e nada muda. Pelo menos duas ou três vezes ao mês eu recebo notícias de uma fuga de amônia com exposição aguda dos trabalhadores e trabalhadoras, e o pior que têm casos onde morrem pessoas.
E como se estivesse acontecendo algo que não afeta em nada a produção porque nessas empresas tudo continua igual como se fosse um simples vazamento de água onde basta com fechar a torneira.
Isto demonstra o completo descaso desta indústria com a vida de seus operários.