Regulamentação da segurança e saúde dos trabalhadores do setor (NR 36), que reduziu acidentes, esteve no alvo do governo de Jair Bolsonaro (PL), que não conseguiu afrouxá-la. O desafio agora é a sua preservação e efetivação.
Leomar Daroncho e Lincoln Cordeiro
03 | 04 | 2023
Foto: agencia brasil
A norma de segurança e saúde dos trabalhadores do abate e processamento de carnes está completando 10 anos neste mês. Construída por consenso de frigoríficos, trabalhadores e governo, a Norma Regulamentadora (NR) 36 resultou da preocupação com os altos índices de acidentes ocupacionais e das particularidades do setor.
Após a entrada em vigor da norma, a União Internacional de Trabalhadores da Alimentação (UITA) celebrou a redução de até 75% das manifestações de LER/Dort, entre 2009 e 2018, que atribuiu à pressão que levou ao respeito de requisitos mínimos de proteção, numa das atividades que concentra a mais ampla exposição a fatores de risco que se conhece, registrando que ficou “nítido o impacto positivo da publicação da NR 36 em 2013”.
Realizando até 90 movimentos por minuto – com ritmo determinado por máquinas –, em longas jornadas, com ambiente frio e baixa renovação do ar, operários são expostos a riscos de amputações e quedas, na presença de agentes biológicos e químicos (como a amônia), com exigência de grande esforço em posturas inadequadas, dentre outras situações críticas.
Na obra As doenças dos trabalhadores, Bernardino Ramazzini registrou, em 1700, o resultado da observação e da escuta de operários. Relacionou o trabalho com as doenças típicas de 50 profissões.
O médico da Universidade de Módena foi o precursor do estudo do ambiente laboral, pesquisando contaminantes físicos e químicos. Constatou que as prolongadas posturas em posições inadequadas e os movimentos repetitivos geravam transtornos musculoesqueléticos. Indicou o uso de dispositivos de proteção e pausas, assim como a redução das jornadas, como eficientes medidas de cautela.
Apesar da relativa melhoria, após a NR 36, as deficiências na ergonomia e no meio ambiente de trabalho seguem gerando acidentes e doenças do trabalho. Com 90 ocorrências por dia, o setor é destaque negativo dentre as atividades industriais. Em 2021, em plena pandemia, 40 pessoas perderam a vida trabalhando na indústria de abate e processamento de carne.
Mesmo assim, a pretexto de simplificar o setor, o Governo tentou revisar a NR 36, mirando as pausas de proteção, que são imprescindíveis para a preservação da saúde dos trabalhadores em atividades repetitivas. A nociva proposta encontrou resistência dos trabalhadores e de médicos do trabalho sem vinculação com as empresas.
Graças à sensibilidade da Justiça do Trabalho, que atendeu ao pedido do MPT, a revisão foi suspensa. Na ação, foram apontados os vícios e as inconsistências na Análise de Impacto Regulatório do Ministério do Trabalho e o desrespeito à Convenção 169/OIT, que determina a prévia escuta das comunidades tradicionais, sendo que o setor, que pratica baixos salários, emprega muitos indígenas.
O aniversário da norma, em 18 de abril, véspera do Dia dos Povos Indígenas, também marca a luta pela Agenda 2030 da ONU, conjugando a defesa do meio ambiente e os direitos humanos.
Conectar o crescimento econômico com o trabalho digno é medida necessária para atingir um patamar civilizatório mínimo para os 590 mil brasileiros que viabilizam um dos mais importantes segmentos da economia nacional.
O desafio de preservar e efetivar a NR 36 é um dos temas do Seminário sobre trabalho digno nos frigoríficos que será promovido pelo MPT, Escola Superior do Ministério Público da União e Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho, dias 19 e 20 de abril de 2023, em Brasília.
Podem participar membros e servidores do MPT, membros do Conselho Nacional do MP (CNMP), magistrados do Trabalho, advogados, sindicalistas e profissionais de saúde vinculados ao SUS.