O governo do presidente Jair Bolsonaro começou a ensaiar um processo de maquiagem sobre os números da contaminação e vitimas fatais do Covid-19.
Primeiro foram as notícias falsas que faziam referência a caixões sendo enterrados vazios.
Depois o empresário Carlos Martins Wizard, donos de marcas como Mundo Verde, Taco Bell e BRSSports (Rainha e Topper), dentre outras, insinuou que governadores e prefeitos estariam inflando o número de mortos para receber mais recursos públicos para combater o coronavírus.
O atual ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, preocupado com a repercussão dos números negativos na mídia, decidiu divulgar, a pedido do presidente, os dados diários somente às 22 horas.
Afinal, é muito ruim receber este tipo de notícia em horário nobre! Mas não parou por aí, no sábado iniciamos o nosso voo às escuras e sem auxilio do radar, na guerra contra o coronavírus, quando o ministro da Saúde retirou da página da internet do Ministério da Saúde os dados sobre o total de mortes por Covid-19.
No domingo, o mesmo Ministério divulgou dois boletins num intervalo de 2 horas com dados divergentes sobre mortes por Covid-19: no primeiro, haviam 1382 mortes, no segundo, 524.
Todos estes passos tem uma só finalidade: criar na população uma sensação de dúvida em relação à gravidade do Covid-19 e, ao mesmo tempo, tentar minimizar os impactos de tantas mortes. Pois bem, não é necessário, excelentíssimo presidente.
A doença chegou ao Brasil através de pessoas com condições financeiras melhores, que voltaram de viagens no exterior.
Logo após, ela foi descendo a nossa pirâmide social e agora chega, justamente, às periferias e às classes mais pobres, ou seja, já não incide de forma intensa entre as classes mais abastadas, que, quando atingidas por qualquer probleminha, causa alguma espécie de comoção na sociedade.
Conforme dados do Ministério da Saúde, o Covid-19 é mais letal na população negra do que na população branca; o número de mortes da população branca tem caído nas últimas semanas e aumentado na população negra.
A doença saiu dos bairros de classe média e classe alta das capitais e migrou para as periferias, onde, silenciosamente, vem matando a população vulnerável a todo tipo de violação de direitos humanos.
E é justamente por isso que não há qualquer necessidade de maquiar ou esconder os dados sobre contágio e morte por Covid-19.
Segundo, ainda, dados do Atlas da Violência, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em média são registrados quase 60 mil homicídios no Brasil.
A maioria absoluta das vítimas é composta por homens, jovens, negros e com baixa escolaridade. Os dados do Data SUS apontam que nos últimos 10 anos quase 63 mil pessoas morreram de desnutrição (fome) no Brasil, ou seja, 17 pessoas morrem a cada dia sem ter o que comer.
Se expandirmos esta análise para outros tipos de violação de direitos, veremos que a Covid-19 começa a realçar a desigualdade estrutural da sociedade brasileira e de outros lugares no mundo em escala ainda maior, evidenciando que os que são contaminados e morrem em maior número agora são aqueles que não tem acesso a saneamento básico, moradia, saúde, educação, em suma, são os mais vulneráveis a todo e qualquer tipo de violação de direitos humanos.
Muita gente se assusta com o movimento nas periferias das cidades e, consequentemente, com a baixa adesão ao isolamento social. Mas é isso: trata-se apenas de mais uma das violações proporcionadas a uma população que já vive na desigualdade, submetida a condições de vida e de trabalho muito distantes de qualquer dignidade.
Por exemplo, são os negros e pobres que representam a maioria absoluta das vítimas do trabalho escravo e vale aqui uma indagação: qual a comoção e o impacto disso sobre as demais pessoas? Nenhum. Alguns preferem questionar até mesmo a existência do próprio crime.
E a nossa sociedade que sempre assistiu a tudo isso passivamente, inclusive a morte de negros e pobres pelo próprio estado em horário nobre, sem esboçar qualquer tipo de empatia ou reação, não fará nada agora, independente se venham a morrer mais e mais pobres e negros, já que estes morrem aos montes todos os anos, sem que isso cause qualquer tipo de comoção.
Então, presidente, não perca tempo tentando maquiar ou esconder os dados sobre contágio e mortes por Covid-19.
Eles não causam e não causarão impacto algum sobre a maioria dos brasileiros e brasileiras que, assim como o senhor, tem demonstrado ao longo dos anos o pouco apreço à vida, principalmente de negros e pobres.