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Com Gladimir Ribeiro da Silva, vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Alimentação de Ijuí
“Na Lactalis somos apenas números”
Ativista sindical desde o final dos anos 1980, Gladimir é um dirigente experiente, mas sobretudo um grande conhecedor da indústria de laticínios do Rio Grande do Sul. Ele conversou com A Rel sobre a situação do setor, ressaltando o caso da Lactalis, uma empresa que se destaca pelo lado negativo.
Gerardo Iglesias
16 | 05 | 2022
Gladimir Ribeiro da Silva | Foto: Gerardo Iglesias
Seus 38 anos de trabalho na empresa, que originalmente era uma cooperativa de produtores de leite e hoje pertence à transnacional francesa Lactalis, endossam sua visão sobre as diferenças entre os representantes dos trabalhadores e das trabalhadoras e a empresa.
A Lactalis se recusa a negociar com os sindicatos o direito a uma reposição salarial que contemple 100% da inflação do período..
Em 2021, a empresa impôs um reajuste de 80% do IPC sem negociação prévia, algo que os sindicatos, de todo o Brasil, rejeitaram veementemente.
Gladimir já presenciou, desde que começou a trabalhar, a empresa mudar de razão social oito vezes. Mas nenhuma empresa anterior teve a postura assumida pela Lactalis.
“Quando vendem a cooperativa para um empresário japonês, praticamente a entregam de mão beijada, porque não valorizam o investimento anterior que havia sido feito, principalmente na formação dos colonos e no aprimoramento das linhagens genéticas para gado leiteiro. Logo depois, o empresário japonês revendeu a cooperativa por um valor muito maior para a BRF”, lembra.
“No tempo em que se chamava Cooperativa Central Gaúcha de Leite (CCGL), tínhamos muitos benefícios, inclusive um aumento real de salário a cada cinco anos, plano de saúde gratuito para o trabalhador/a e seus familiares, e acesso aos produtos da empresa a preço de custo, além de uma cesta básica", diz.
“Com o tempo, foram tirando o plano de saúde gratuito e ano após ano baixando o percentual de aumento salarial até chegar a zero. Agora sequer querem pagar o reajuste inflacionário."
Além disso, retiraram o adicional por insalubridade e congelaram o bônus por auxílio escolar.
Devido a esta realidade, há um fenômeno de alta rotatividade na empresa.
“Os trabalhadores e as trabalhadoras entram com muito entusiasmo em uma transnacional do porte da Lactalis, mas quando veem como estão as coisas (falta de benefícios, de oportunidades de crescimento e um salário que mal supera o mínimo nacional) acabam indo embora em busca de algo melhor."
Apesar da pandemia, a Lactalis não parou de produzir e por isso não deixou de faturar. No entanto, os funcionários não veem nem rastro destes ganhos.
“Para esta empresa francesa somos apenas números. É por isso que muitos trabalhadores da região procuram empresas menores. Lá pelo menos são tratados como seres humanos e têm mais benefícios, como o direito aos domingos e feriados”.
“Antigamente, essas datas eram pagas em dobro ou triplo. Agora só querem dar o que chamam de compensações e não as horas extras exigidas por lei, o que é um absurdo", ressalta Gladimir.
Em outra ordem, os pequenos produtores de leite deixaram de ser incentivados e as exigências sanitárias no transporte do produto também influenciaram na diminuição do número de estabelecimentos produtores de laticínios.
“Hoje só restam os grandes produtores. Os pequenos agricultores que criavam seu gado a pasto foram extintos, mudando completamente o perfil dessa parte da cadeia da indústria leiteira”.
Com empresas que oferecem cada vez menos benefícios aos seus funcionários, a maior preocupação dos trabalhadores/as e dos dirigentes é a crescente automatização da produção.
Dos 500 mil litros de leite por dia que eram processados na fábrica de Ijuí por cerca de 500 trabalhadores, hoje mais de 2 milhões de litros são industrializados por 423 funcionários..
“Quando eu comecei nesta indústria, era preciso um maior número de mão-de-obra, porque as tarefas começavam a partir da limpeza de tarros, chegando até os caminhões que transportavam o leite”, diz Gladimir.
Na seção de produção de queijo, o número de trabalhadores passou de 30 para apenas três ou quatro, devido à automação..
“Não é mais como antes, que todos nos conhecêssemos, que se tivéssemos um problema os donos da empresa se preocupavam e eram prestativos com a gente, inclusive conviviam conosco, sabiam quem éramos. Agora somos apenas uma parte da engrenagem, uma peça para o funcionamento da indústria”.