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Com o Dr. Carlos Eduardo Siqueira

“Mexer na NR36 é dar marcha à ré”

Governo e empresários das empresas frigoríficas do Brasil estão promovendo mudanças na NR36, com o propósito de desmontá-la. A Norma Regulamentadora – NR36 protege a saúde e garante a segurança dos trabalhadores. Sobre o impacto que pode ter esse ataque, a Rel conversou com o Dr. Carlos Eduardo Siqueira, professor da Faculdade de Meio Ambiente da Universidade de Massachusetts Boston, nos Estados Unidos.

Amalia Antúnez


Foto: Gerardo Iglesias

O Dr. Carlos Eduardo estudou medicina na UFRJ e atualmente é professor do Departamento de Planejamento Urbano e Desenvolvimento Comunitário da Universidade de Massachusetts Boston. O médico e professor possui décadas de experiência na área de saúde coletiva, com ênfase em saúde ocupacional.

“Mexer na NR36 é um absurdo”, afirma. «A comunidade científica tem evidências de longa data de que as linhas de produção dos frigoríficos são muito aceleradas, fazendo com que a carga de trabalho seja maior do que qualquer ser humano pode suportar.»

Em sua opinião, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, as empresas têm a política de acelerar as linhas de produção. No Brasil, a forma de fazer isso seria eliminando as pausas garantidas pela NR36.

“As pausas determinada na NR36 são uma conquista para os trabalhadores e as trabalhadoras de todo o país”, afirma.

O Dr. Carlos Eduardo cita o exemplo da JBS, maior produtora de proteína animal do mundo, que concentra o mercado frigorífico nos Estados Unidos e no Brasil, uma empresa cuja política é a de explorar ao máximo o seu pessoal.

Os sindicatos norte-americanos estão na mesma luta que os brasileiros, embora com menos força, pois lá os trabalhadores do setor são em sua maioria migrantes.

“Essas empresas, no afã de aumentar os lucros, não levam em consideração o desgaste dos trabalhadores e das trabalhadoras, provavelmente por considerarem que são descartáveis e substituíveis. No caso dos Estados Unidos isso é ainda pior, já que a maioria dos trabalhadores e trabalhadoras é migrante latino, isto é, sem qualquer direito”, afirma.

Abordar a saúde mental

Os trabalhadores do setor sofrem não só com lesões musculoesqueléticas geradas por movimentos repetitivos ou por cortes e lacerações, mas também são vítimas de problemas psicológicos.

“Matar animais em série afeta fortemente os trabalhadores. Muito tem se falado sobre as lesões físicas, mas é urgente que a questão da saúde mental comece a ser abordada”.

Pesquisas realizadas nos Estados Unidos mostram que esses trabalhadores sofrem de patologias semelhantes à Síndrome Pós-Traumática.

Um massacre

“O que eles estão fazendo agora no Brasil com a NR36, o que chamam, de harmonização, nada mais é do que desproteger ainda mais os trabalhadores em um setor que já é bastante precário. Sem dúvida será um retrocesso imenso, é dar marcha à ré”, garante.

A indústria frigorífica é uma das que registra o maior número de óbitos e de fatores de alto risco para a saúde dos trabalhadores, como um ritmo excessivo, as baixas temperaturas, a má remuneração, e a exposição a agentes químicos e biológicos.

“A NR36 conseguiu minimizar esses riscos. Modificá-la eliminando as pausas será voltar ao que era antes, ao que está acontecendo nos Estados Unidos, onde não existe legislação: em resumo, um massacre.

Para o Dr. Carlos Eduardo, os empresários sentem que têm apoio político para tirar dos trabalhadores um direito conquistado a duras penas, valendo-se de argumentos que carecem de embasamento científico.

Un modelo lesivo

Por outro lado, ele destaca que no Brasil a NR36 tem sido um paliativo. O que deve mudar, a seu ver, é o modelo de produção, prejudicial não só para os trabalhadores e trabalhadoras do setor, mas também para o meio ambiente.

“Estudos recentes estabelecem que este é um dos setores produtivos que mais repercute nas mudanças climáticas. É preciso reduzir drasticamente o consumo de carne e mudar a sua forma de produção”, enfatiza o médico.

Os sindicatos devem entender a gravidade da situação e considerar que esta luta deve ser global: não só por melhores condições de trabalho, mas também pela defesa da saúde de toda a população e do meio ambiente, conclui.