Mundo | FOME | AMBIENTE

Pandemia e ecologia

Mais vacinas então, ou menos capitalismo?

A economia dominante em nossas sociedades, o capitalismo, está doente. Não adoeceu recentemente: já nasceu doente. Sofre de um mal incurável. Definitivamente: não há cura. Mas continua respirando, embora para sobreviver tenha que matar de fome ou bombardeando milhões de seres humanos, mantendo com isso o privilégio de alguns poucos.

Marcelo Colussi


Imagem: Ángel Boligan- Carton Club

Essa «doença» se evidencia na injustiça reinante (aspectos estruturais: mais de 20.000 pessoas morrem por falta de comida, por dia, no mundo), vítimas dos desastres conjunturais como as crises financeiras que vivemos ciclicamente (sendo pagas, basicamente, pelos pobres, enquanto os Governos se dedicam a salvar as grandes empresas em perigo).

E em termos da perspectiva histórica como espécie: a destruição da civilização é uma cruel possibilidade, tanto por causa da catástrofe ambiental em curso quanto pelo risco de guerra nuclear.

Como nos é dito com profundo conhecimento (a ecologia é uma ciência já amplamente desenvolvida), os atuais modelos econômicos de produção e consumo estão produzindo desastres naturais com consequências catastróficas e provavelmente irreversíveis.

Atuar contra o capitalismo é atuar contra a injustiça, e mais ainda: é atuar a favor da sobrevivência da vida em nosso planeta, da vida dos seres humanos e de todas as espécies animais e vegetais.

O capitalismo, belicoso em sua essência, não pode viver sem guerras. Pois, elas o alimentam, são uma escapatória para suas crises, são um negócio.

De fato, nos Estados Unidos, principal economia capitalista, boa parte de seu produto interno bruto provém da indústria militar, portanto uma alta porcentagem de seus trabalhadores se dedica, direta ou indiretamente, a essa produção.

Viva a morte

Vivemos uma loucura, sem saída, que tem a morte reservada para nós como ponto de chegada… Este é o capitalismo mais desenvolvido!

No ano passado, mesmo com o declínio geral da economia global (queda de 4,4 por cento na produção global), a indústria armamentista cresceu. Viva a morte!, podemos dizer.

Veja este exemplo: se todo o arsenal atômico disponível neste momento fosse ativado (na posse de algumas poucas potências capitalistas, com os Estados Unidos, a Rússia e a China na liderança, importantes membros permanentes no Conselho de Segurança das Nações Unidas), todas as formas de vida deste planeta deixariam de existir.

Pior ainda: a Terra entraria em colapso, provavelmente se fragmentando, com efeitos igualmente agressivos para Marte e Júpiter, cujas consequências da explosão atingiriam até a órbita de Plutão …

Mas todo esse espetacular desenvolvimento técnico-científico não consegue acabar com a fome no mundo (uma morte por inanição a cada 7 segundos). Este é o capitalismo!

Junto com esta catástrofe, a deterioração do meio ambiente está aumentando, de forma alarmante.

Mais do que uma simples «mudança climática»

Mudança climática” é um eufemismo tendencioso que encobre a verdade: o modelo predatório de desenvolvimento promovido pelo capitalismo vem causando desastres monumentais em nosso planeta.

Se o clima sofre mudanças, não é por causas naturais, mas pela louca intervenção humana em busca do lucro, da ganância econômico.

“Não entendo por que nos matam, destroem nossas florestas e extraem petróleo para alimentar carros e mais carros em uma cidade já lotada de carros como Nova York”, se perguntava atonitamente uma liderança indígena equatoriana.

Tudo isso afeta a saúde humana.

Diferentes vozes vêm alertando para a possibilidade de pandemias cada vez mais perigosas, dada a relação que a espécie humana vem estabelecendo com o meio ambiente.

Por considerar a natureza como uma «mina infinita a ser explorada», o modo de produção capitalista instalado há alguns séculos só consegue enxergá-la como um recurso econômico, ignorando que o ser humano faz parte desse sistema ecológico, em um perpétuo equilíbrio instável.

O consumismo desenfreado que se impôs, a catástrofe ambiental que isso acarreta, a obsolescência programada que faz com que cada vez mais rapidamente os materiais se transformem em lixo e a produção industrializada de absolutamente tudo geraram um curto-circuito entre o ser humano e a sua única moradia, o planeta Terra.

Já se sabe há muito tempo que a perda de biodiversidade produzida por esta catástrofe ecológica que vivemos promove uma rápida disseminação de novas doenças, trazidas pelos animais e chegando aos seres humanos.

A partir dos surtos de outros coronavírus que surgiram recentemente, o SARS em 2002 e o MERS em 2012, a comunidade científica vem alertando para a possibilidade de uma pandemia muito mais disseminada e, portanto, mais letal.

Crônica de um desastre anunciado

Estamos agora, com a pandemia de Covid-19, diante da crônica de um desastre anunciado.

Em 2016, a Organização Mundial da Saúde havia classificado os coronavírus como uma das oito principais ameaças virais que deveriam ser pesquisadas, dando-lhes um acompanhamento adequado.

Como naquele momento, os grandes oligopólios capitalistas, que administram a saúde mundial, não se interessaram pelo assunto, por não apresentar lucros imediatos, o assunto morreu.

Portanto, pode-se dizer que a pandemia deste coronavírus era previsível, mas a voracidade capitalista impediu que surgisse uma adequada preparação para enfrentá-la.

Quando a pandemia chegou, no início de 2020, a saída foi buscar uma vacina universal, que, obviamente, era vista como uma fonte incomensurável de lucro para essas empresas, mesmo correndo o risco de fazer experiências apressadas com seres humanos em uma escala global como nunca antes.

Já conhecemos a história: o pânico generalizado foi comum durante o ano de 2020 inteiro, e mesmo pulando todos os protocolos necessários, apareceram as vacinas “salvadoras”.

Os lucros dos fabricantes são astronômicos, mas as pandemias que virão já estão batendo à porta.

Porém, ao invés de gastos com vacinas – rapidamente colocadas em circulação sem as medidas prévias necessárias – e grandes investimentos em testes diagnósticos e medicamentos, medidas preventivas deveriam ser priorizadas para evitar novas pandemias.

Prevenir, não só curar

Essas são algumas das conclusões do relatório gerado pelo Grupo de Trabalho Científico para a Prevenção de Pandemias, equipe criada pelo Instituto Harvard de Saúde Global e pelo Centro para o Clima, a Saúde e o Meio Ambiente Global da Escola de Saúde Pública T.H.Chan de Harvard.

A mudança no uso do solo, a destruição das florestas tropicais, a expansão das terras agrícolas, a intensificação da pecuária, a caça, o comércio de animais selvagens e a urbanização rápida e não planificada são alguns dos fatores que influenciam na disseminação dos vírus com potencial pandêmico”.

Ou seja: se é possível surgir novas pandemias, com modificações na estrutura de produção e no modo de consumo, elas também podem ser evitadas.

Evidentemente, as respostas mais efetivas não são técnicas, mas políticas. Em outras palavras: chega de capitalismo predatório. Dito de outra forma: o que nos mata é o sistema atual, é o capitalismo.

Mesmo que não traga lucros fabulosos para a empresa privada, a vida poderia ser muito menos agressiva, injusta e desfavorável para a grande maioria dos seres humanos em todo o mundo, se houvesse mais investimento em prevenção.

A catástrofe ecológica que estamos sofrendo, em decorrência desse sistema de produção e consumo, parece nos levar inevitavelmente a mais pandemias. Mais vacinas então, ou menos capitalismo?