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Carteira de saúde dos assalariados rurais

Era um sonho, mas hoje é realidade

Felicia Da Luz Castro é presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santana do Livramento (STRS), Rio Grande do Sul, Brasil. Esta organização acaba de implementar uma inovação provavelmente única no mundo.

Carlos Amorín

3 | 7 | 2025


Felicia Da Luz Castro | Foto: Gerardo Iglesias

Trata-se de uma carteira criada pelo sindicato que cada trabalhador e trabalhadora rural, sendo ou não filiado à organização, recebe gratuitamente para portar constantemente durante suas jornadas de trabalho.

Nela constam seus dados pessoais, o estabelecimento onde trabalha e espaços em branco onde, a cada dia que aplicar um produto químico, o trabalhador deve anotar a data, o nome do produto utilizado, o horário da aplicação etc. (ver ilustração).

Uma iniciativa brilhante

A Rel quis conhecer de perto essa experiência e conversou com Felicia Da Luz.

-Como surgiu essa ideia tão inovadora?
-Na verdade, começou como um sonho. Um dia estávamos conversando com Paulo Vargas, coordenador da Vigilância em Saúde do Trabalhador do município de Santana do Livramento, e eu disse que tinha vontade de criar uma carteira para os nossos filiados ao sindicato, porque muitos deles trabalham com agrotóxicos.

Ele comentou que estava pensando em algo semelhante, e que já tinha um esboço de modelo. Foi assim que, juntos, criamos o layout da Carteira do(a) Assalariado(a) Rural que apresentamos à Federação e que foi muito bem recebida pelo seu presidente, João Larrosa, e finalmente conseguimos imprimir.

Atualmente, todo trabalhador e trabalhadora rural, seja filiado ou não, recebe a carteira. E se vier de outro município, nos apresenta e nós o integramos ao cadastro.

No último dia 27 de maio, fizemos o lançamento oficial, com a presença de representantes do Ministério do Trabalho, que falaram aos nossos filiados sobre a NR311, especialmente sobre o manuseio e aplicação de agrotóxicos.

Como usá-la

-Quais dados constam na Carteira?
-Além do nome completo e demais dados pessoais, o trabalhador ou trabalhadora pode anotar a data em que usou o agrotóxico, o nome específico do produto, se sentiu algo estranho naquele dia ou nos dias seguintes e o que exatamente sentiu. A maioria dos assalariados a utiliza.

Na Carteira se pergunta: quais são os sintomas? Pele avermelhada, coceira, dor de cabeça, vômito, diarreia, e outros sintomas. Então, se sentirem algo, eles vão anotar.

Também pensamos em criar um banco de dados a partir da Carteira, porque se algum dia ela for substituída, perdida ou se mudarem para outro estado, nós teremos os dados de saúde disponíveis.

-Ou seja, eles mesmos preenchem a Carteira…
-Sim, eles a preenchem quando necessário e quando usarem produtos químicos. E com essa Carteira, também consegui que o hospital os atenda em caso de emergência; se tiverem uma urgência, se estiverem contaminados ou usaram um produto e se sentirem mal, apresentam a Carteira e não precisam esperar na fila nem passar pela triagem, entram direto para atendimento médico.

Acho que foi uma grande conquista.

No município, agora também temos acesso à fisioterapia com solicitação médica, em caso de ferimentos ou dores que necessitem de fisioterapia, sem custo para o trabalhador.

Uma Carteira com provas e dados concretos

-Em que muda concretamente a proteção do trabalhador com essa Carteira?
-Antes, quando sofriam lesões, nunca eram reconhecidas como acidentes de trabalho, sempre eram classificadas como doenças. Agora, com essa Carteira, vamos ter as provas e os dados concretos. Se acontecer uma intoxicação, algum problema, teremos a informação adequada. As empresas vão ser obrigadas a reconhecer como acidente de trabalho, e não como doença.

-E qual é a diferença para o trabalhador entre ser qualificado como acidente e não como doença?
-A diferença é que, se for acidente, o trabalhador rural tem direito a um ano de estabilidade na empresa e, ao final da licença por acidente, não pode ser demitido. Já se for doença, fica a critério do médico —pode ser seis meses, ou um mês— e, quando retornar, a empresa pode demiti-lo.

Felizmente, o setor patronal aceitou bem a iniciativa, talvez porque em Santana do Livramento o sindicato e os empregadores mantêm uma relação respeitosa. Também temos nossas divergências, mas em geral há respeito. Além disso, contamos com a presença do Ministério do Trabalho, que está atuando muito bem.

-Uma grande ideia e uma execução ainda melhor. Tomara que possa ser levada à nível nacional.
-Seria maravilhoso.

¹A Norma Regulamentadora 31 tem como objetivo estabelecer os preceitos que devem ser observados na organização e no ambiente de trabalho rural, com a finalidade de compatibilizar o planejamento e o desenvolvimento das atividades do setor com a prevenção de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho rural.