Com Alberto Broch
Nosso companheiro e amigo Alberto Broch é atualmente vice-presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Alimentação (CONTAG), responsável pelas Relações Internacionais. Nessa conjuntura global e local, é de particular interesse a sua análise da situação atual e das perspectivas da agricultura e da realidade brasileira.
Carlos Amorín
01 | 11 | 2022
Alberto Broch | Foto: Gerardo Iglesias
-Que panorama você pode nos traçar sobre o momento atual e a agricultura brasileira?
-No Brasil há uma forte campanha de liberação de agrotóxicos, alguns dos quais estão proibidos nos seus países de origem. Apesar de termos experiências muito boas em agroecologia implementadas no país, o modelo promovido oficialmente para os cultivos extensivos em grandes áreas, como a soja ou o milho, utiliza produtos químicos de forma intensiva.
O Brasil importa a maior parte de seus insumos químicos para a agricultura e, com a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, os custos de produção ficaram muito caros. Isso vale tanto para os grandes produtores quanto para os pequenos agricultores integrados a esse modelo.
Por outro lado, o governo de Jair Bolsonaro flexibilizou bastante as regulamentações ambientais, principalmente ao retirar poderes dos órgãos de controle ambiental, principalmente na Amazônia.
De acordo com alguns estudos públicos, o país regrediu acentuadamente em sua capacidade de fiscalização, por exemplo, caiu o combate à mineração em áreas indígenas, consideradas áreas de preservação ambiental, invadidas por garimpeiros ilegais, que poluem os rios, assassinam indígenas e desmatam.
-Como se deu esse retrocesso?
-O atual governo enfraqueceu muito todo o aparato que o Estado construiu nas últimas décadas para tentar regular, fiscalizar, multar e expulsar os invasores e qualquer pessoa que destruir o meio ambiente.
Além do grande desmatamento que atinge toda a Amazônia brasileira nos estados do Mato Grosso, Amazonas, Pará, Acre, Rondônia, Amapá, Roraima e parte do Maranhão, foram registrados incêndios florestais muito extensos em outras áreas, com as “queimadas”, sem ser possível comprovar se foram incêndios naturais ou causados pelos invasores.
Isso está acontecendo em milhares e milhares de hectares do Pantanal e da Amazônia, principalmente nesses dois grandes biomas.
Em maio e junho sempre houve incêndios florestais, mas coincidentemente, com o desmonte dos organismos de fiscalização, a quantidade de incêndios aumentou muito.
Especialistas dizem que não será fácil reconstruir todo esse aparato estatal em poucos anos.
-Qual foi a reação do Ministério do Meio Ambiente?
-O Ministério, que deveria ser o guardião da natureza, tem se dedicado a perseguir e até a destruir as organizações não-governamentais e as associações de base que ajudam a combater o processo de destruição que vem ocorrendo há anos nessas grandes áreas verdes.
Eles as acusam de estarem a serviço dos europeus, de desviarem recursos, quando na verdade o que aconteceu foi que as agências internacionais e os governos estrangeiros, principalmente os europeus, deixaram de doar dinheiro ao governo brasileiro para a proteção ambiental.
Neste momento, o Brasil tem uma péssima imagem internacional, apesar das mentiras que o governo tenta espalhar localmente.
Somos atingidos pelo vandalismo ambiental e também pelas mudanças climáticas, que levaram a secas gravíssimas, principalmente no Sul (Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul), em que os agricultores perderam praticamente todas as suas plantações, e ao mesmo tempo, nunca tivemos tanta chuva no Nordeste, tradicionalmente seco, com grandes enchentes que chegaram a custar vidas humanas.
Mas como consequência da polarização que a sociedade brasileira vive, tem gente que não acredita nesse fenômeno, que pensa que é invenção de alguns especialistas, que sempre houve secas e enchentes.
Na CONTAG trabalhamos fortemente no processo de transição para a produção sustentável, e para que a agricultura familiar possa ganhar alguma coisa ao preservar a floresta, por meio de ressarcimentos ambientais e da extração de carbono.
Foto: (Arquivo) Grito da Terra | Gerardo Iglesias
-Como é esse processo de extração?
-Temos uma ação de política agrícola especialmente para a agricultura familiar, porque as pessoas que se acostumaram a produzir dessa forma convencional, com uso de produtos químicos, nos últimos 50 ou 60 anos, não mudam para uma produção agroecológica assim de um ano para o outro.
Propomos que precisamos produzir de forma cada vez mais sustentável. Para isso, precisamos de políticas públicas de apoio para que, em pouco tempo, possamos sair desse formato para uma produção com menos produtos químicos, com menos venenos.
-Nemo Amaral, assessor de Alberto, participou do diálogo trazendo dados concretos sobre os agrotóxicos e a perda da floresta amazônica.
O Brasil autorizou 1.629 agrotóxicos em 1.158 dias de governo (fevereiro de 2022). O limite de glifosato na Europa é 5 mil vezes menor do que no Brasil.
A Amazônia perdeu 2,5 milhões de hectares em 2020, dos quais 70% pertencem ao território brasileiro.
Em 2021, foram registrados 1.600 conflitos causados por disputa de terras, afetando 170 mil famílias.
A aquisição de terras por estrangeiros também vem crescendo de forma muito significativa.
Segundo dados públicos, 4 milhões de hectares estão em posse de estrangeiros em todo o país e 1,7 milhão é controlado por empresas estrangeiras. Enquanto isso, tramita no Congresso um projeto de lei (2.963 de 2019) que admite a venda de até 25 por cento do território de cada município a estrangeiros, sendo eles pessoas físicas ou jurídicas.
Por outro lado, cerca de 25 por cento da população total, ou seja, cerca de 60 milhões de pessoas, estão em situação de insegurança alimentar, das quais 33 milhões passam fome.
É verdade - continua Alberto - que há uma grande necessidade de produzir alimentos. Atingimos uma população mundial de 8 bilhões de pessoas, mas a questão é como produzir de forma sustentável, cuidando do meio ambiente e gerando trabalho decente.
Por outro lado, devemos levar em conta a consciência de muitos consumidores que estão começando a rejeitar produtos que vêm de áreas onde há trabalho escravo, onde não há sustentabilidade, negando-se a consumir carne proveniente da Amazônia.
Foto: (Arquivo) Grito da Terra | Gerardo Iglesias
Há também uma conscientização global sobre esta questão, incluindo governos que reivindicam sustentabilidade. Por exemplo, o acordo entre a União Europeia e o Mercosul, que já foi negociado, não foi assinado devido à irresponsabilidade ambiental do governo Bolsonaro.
Como mencionei, a CONTAG vem trabalhando em todas essas questões. Resolver o problema da insegurança alimentar e da fome no Brasil implica apoiar a agricultura familiar, rediscutir os sistemas alimentares, construir um modelo de produção sustentável e solidário onde o agricultor seja o protagonista do processo e não uma peça descartável do maquinário do agronegócio.
-Por que existem pessoas passando fome no Brasil?
-O Brasil é um dos principais produtores de alimentos do mundo, o primeiro exportador de frangos, grande exportador de carne bovina, mas ao mesmo tempo abre suas portas para a importação de alimentos básicos como arroz, feijão, óleo, para fazer os preços internos caírem, pois dispararam como resultado da política nefasta deste governo, soma-se a isso a guerra na Ucrânia.
Além de tudo isso, devemos considerar também os efeitos da pandemia e do desmonte das políticas públicas geradas pelos governos progressistas anteriores.
Para dar um exemplo: o Brasil foi pioneiro no mundo na instalação de um Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA), que se reunia mensalmente e do qual surgiram muitas políticas para lidar com a insegurança alimentar.
A primeira ação do governo Bolsonaro foi eliminar aquele Conselho por decreto. Além disso, houve diminuição dos salários, desemprego, o custo da produção e os alimentos estarem a cada dia mais caros.
Essa série de acontecimentos agravados pela pandemia, pela guerra, e por uma política econômica que aumenta o desemprego, gerou um exército de pessoas passando fome. O salário-mínimo é irrisório.
É por isso que hoje vemos muitas pessoas na porta das igrejas, dos supermercados, dos restaurantes, nos sinais de trânsito pedindo comida. Não pedem dinheiro, pedem comida...
Precisamos de mais e melhores empregos, salários decentes que nos permitam sair da pobreza. Precisamos rever políticas como a reforma trabalhista imposta por este governo, que tirou direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras, com a desculpa de que iam criar empregos, só que os empregos nunca apareceram.