Na quinta-feira, dia 9, foi realizada na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade da República, em Montevidéu, a apresentação do livro “Empreendedores JÁ! Capitalismo de plataformas no Uruguai”. Convidado para a atividade, o sociólogo brasileiro e grande amigo da Rel UITA, Ricardo Antunes, —que escreveu o prefácio do livro— reconhece nesta obra uma valiosa contribuição para a análise da uberização do trabalho.
Amalia Antúnez
15 | 5 | 2024
Ricardo Antunes | Foto: Amalia Antúnez
A publicação foi coordenada pelo sociólogo Nicolás Marrero e conta com contribuições de seu colega Alejo Gónzalez Orge, a assistente social Noelia López e da bacharel em Desenvolvimento Paula Leguisamo.
O capitalismo de plataformas é um fenômeno relativamente novo que tem sua origem em sucessivas crises que levaram a um aumento da massa estrutural de desempregados, uma força de trabalho excedente desesperada e disposta a aceitar qualquer coisa, afirmou Antunes.
“Um ideal neoliberal agressivo comandado pela forma mais destrutiva do capital, que é o sistema financeiro, o alto desemprego, a reestruturação produtiva constante e o aumento da tecnologia foram a base para o surgimento das empresas de plataforma digital”, destacou o sociólogo.
Esse tipo de trabalho está se expandindo cada vez mais no mundo e gera uma completa desregulação das relações de trabalho.
Os trabalhadores e as trabalhadoras que prestam serviços para as empresas digitais são apresentados como “autônomos”.
“Empreendedora é a classe burguesa, mas chamar de empreendedora a uma massa de trabalhadores e trabalhadoras desempregados, que não possuem direito nenhum, é no mínimo criminoso”.
Sem dúvida, disse ele, esse discurso faz parte do “(in) discreto charme da burguesia, mas não deixa de ser uma falácia”.
Para Antunes, esse tipo de trabalho tem um impacto maior nas sociedades do sul do mundo porque são áreas onde houve escravidão e onde até hoje existem condições de trabalho que se aproximam muito da escravidão.
“No Brasil, trabalhadoras e trabalhadores são resgatados diariamente em condições análogas às de um escravo. A terceirização, a flexibilização, são eufemismos para não dizer precarização das condições de trabalho. Todo esse cenário torna o campo fértil para as plataformas digitais”.
Outra grave consequência desse tipo de trabalho é seu altíssimo nível de acidentes.
“Os trabalhadores fazem de tudo para cumprir as entregas de pedidos de forma a ter uma renda que lhes permita cobrir os custos de suas ferramentas (veículo, celular, etc.) e viver, sustentar a família”, disse o sociólogo, e indicou que em São Paulo morre mais de um entregador de aplicativo por dia.
O capitalismo de plataformas propicia condições de trabalho do século XIX e representa um enorme desafio para as organizações sindicais de base classista, pois não é simples organizar trabalhadores que se percebem como “chefes de si mesmos”.
Por isso, a importância desta publicação, que é o resultado de uma pesquisa conjunta entre a academia e os sindicatos e surge da preocupação de um movimento operário que vê nesse tipo de relação de trabalho o ápice da exploração do homem pelo homem.
Os autores também abordam temas como a regulamentação das relações trabalhistas nas empresas de plataformas digitais e evidenciam essa lacuna legal.
“Todas essas empresas entram nos diferentes países violando os direitos trabalhistas existentes, contornando ou evitando a legislação trabalhista. Depois, os Estados regulamentam esses fatos consumados”, destacou Nicolás Marrero.
Legisla-se sob a premissa de que essa realidade já existe e o que resta é criar um estatuto intermediário onde os trabalhadores das plataformas não sejam nem autônomos, nem dependentes, permanecendo em um limbo legal.
“No Uruguai, nas próximas semanas, dois projetos de lei que pretendem regular o trabalho em plataformas estarão em discussão na Comissão de Legislação do Trabalho”.
Um deles, disse Marrero, consolida a ideia do falso autônomo, mas é promovido como progressista porque concede algum direito àqueles que não têm nenhum. Isso é muito perigoso porque representa tendências que estão ocorrendo no mundo do trabalho em geral”.
Algo semelhante está acontecendo no Brasil, onde o presidente Lula apresentou um projeto de lei que, na opinião de Antunes, é um verdadeiro horror. “Poderia ser chamado de projeto de lei da Uber”.
Na Argentina também está ocorrendo o mesmo fenômeno. No momento, está em consideração no Senado a chamada Lei de Bases, que promove a precarização extrema do trabalho, estendendo ao restante da classe trabalhadora as condições dos trabalhadores das plataformas.
“Estamos testemunhando uma brutal desumanização do trabalho”, resumiu Antunes.
Foto: Amalia Antúnez