O Instituto Kaingang apresentou uma Notícia de Fato ao Ministério Público do Trabalho, em Joaçaba (SC), pedindo a abertura de uma ação civil pública contra a empresa JBS/Seara para promover a defesa dos direitos coletivos dos trabalhadores da Terra Indígena Serrinha, que foram demitidos pela empresa no dia 14 de maio, dois dias após a publicação da portaria 312, da Secretaria Estadual da Saúde de Santa Catarina determinando o afastamento de trabalhadores integrantes de grupos de risco (entre eles, os indígenas), sem prejuízo do salário, durante o período que durar a pandemia de covid-19.
Os representantes dos trabalhadores indígenas querem que a JBS/Seara seja condenada ao pagamento de indenização por rompimento do contrato de trabalho por ato discriminatório e também por danos morais.
A Terra Indígena Serrinha está situada em uma área que abrange os municípios de Ronda Alta, Três Palmeiras, Constantina e Engenho Velho, e tem uma população de cerca de 3.500 pessoas, divididas em 650 famílias.
Uma pequena parcela delas têm empregos formais como os que esses trabalhadores tinham em frigoríficos da região. No dia 29 de abril, foram confirmados dois casos de Covid-19 dentro da Serrinha, no município de Três Palmeiras, ambos funcionários da empresa frigorífica Ecofrigo, do Grupo Bugio de Santa Catarina.
Em atendimento às medidas de prevenção e combate à covid-19, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) efetuou o isolamento dos pacientes indígenas, de seus familiares e contatos diretos e determinou o monitoramento clínico de todos os trabalhadores indígenas que fazem uso dos transportes coletivos para os frigoríficos de Santa Catarina pelo período de 15 dias, a contar do dia 01 de maio de 2020.
Neste contexto, foi proibido também o transporte dos trabalhadores indígenas na primeira quinzena de maio com o objetivo de identificar possíveis casos de contaminação entre os trabalhadores dos frigoríficos de Santa Catarina, mediante monitoramento clínico.
A empresa Ecofrigo foi notificada pela Prefeitura de Três Palmeiras e pela SESAI. As demais empresas também foram informadas via contatos telefônicos pelo Cacique Ronaldo Inácio Claudino que, em razão dos casos positivos de Covid-19 os trabalhadores estavam sob monitoramento clínico por 15 dias.
Segundo o documento encaminhado pelas lideranças kaingang ao Ministério Público do Trabalho, a notificação por escrito dessas medidas ocorreu no dia 14 de maio de 2020 e as diferentes empresas responderam que tinham conhecimento e acataram a notificação, exceto a empresa JBS/Seara.
No dia 14 de maio, alguns trabalhadores indígenas da empresa JBS/Seara foram surpreendidos com o depósito de verbas rescisórias em suas contas bancárias, o envio de termos de rescisão para o celular do Cacique Ronaldo Inácio Claudino e a informação de que a empresa estaria enviando ônibus para que os trabalhadores assinassem suas rescisões no Sindicato, com data de homologação nesse mesmo dia.
Na segunda-feira, dia 18 de maio, o restante dos trabalhadores indígenas do grupo JBS/Seara foram informados de que os dois ônibus e o micro ônibus que efetuavam o transporte dos trabalhadores já não faria o trajeto.
“A demissão em massa de trabalhadores indígenas sob monitoramento clínico, incluindo gestantes que já se encontravam afastadas do trabalho, causou consternação e conflito social dentro da comunidade, uma vez que os trabalhadores atribuíram a responsabilidade da demissão às lideranças da Terra Indígena Serrinha, em virtude das medidas de isolamento decretadas”, afirma ainda o documento enviado ao MP do Trabalho.
A advogada Fernanda Kaingáng, que mora na Terra Indígena Serrinha, representa os trabalhadores indígenas demitidos. Segundo ela, cerca de 40 trabalhadores indígenas foram informados da demissão no dia 14 de maio, dois dias depois da publicação de uma portaria da Secretaria Estadual da Saúde de Santa Catarina, determinando a adoção de medidas por parte dos frigoríficos para afastar, sem prejuízo do salário, os grupos vulneráveis: gestantes, diabéticos, hipertensos e trabalhadores indígenas.
“Essa demissão em massa de trabalhadores, incluindo gestantes que estavam em período de afastamento, caracteriza demissão discriminatória”, diz a advogada que apresentou denúncia ao Ministério Público do Trabalho.
Mestre em Direito Público pela Universidade de Brasília (UnB) e doutoranda em Patrimônio Cultural e Propriedade Intelectual na Universidade de Leiden, na Holanda, Fernanda assinala que a denúncia não impediu, porém, a demissão dos indígenas.
“Agora, esses trabalhadores, que estão sem remuneração durante a pandemia, aguardam que o Ministério Público do Trabalho promova uma ação civil pública contra a JBS por ação discriminatória, para indenizá-los por danos materiais e danos morais”.
Na avaliação da advogada, a alegação da JBS no procedimento preparatório que está tramitando no Ministério Público do Trabalho, em Joaçaba (SC), foi de que ela não teria condições de pagar os ônibus que transportam os trabalhadores da terra indígena Serrinha, localizada no norte do Rio Grande do Sul, até o outro lado da fronteira, no oeste catarinense.
“Essa alegação não procede. Cinco dias depois de demitir os indígenas, a JBS anunciou R$ 21 milhões em doações para prevenção e combate à covid-19 no Rio Grande do Sul. Em data anterior, anunciou também a destinação de R$ 700 milhões para o mesmo fim no Brasil e no Exterior.
Ora, uma empresa que tem R$ 700 milhões para doar tem condição de pagar três ônibus para transportar seus trabalhadores indígenas. Mas ela preferiu demitir sem qualquer tentativa de diálogo. Nós queremos um tratamento exemplar neste caso para coibir novas discriminações no campo do trabalho, porque isso caracteriza racismo institucional”.
No documento, o MPF e o MPT recomendam à empresa, como alternativa ao afastamento remunerado dos indígenas, a adoção de medidas como a “interrupção do contrato de trabalho; concessão de férias coletivas, integrais ou parciais; suspensão dos contratos de trabalho (lay off); suspensão do contrato de trabalho para fins de qualificação; entre outras permitidas pela legislação vigente, aptas a garantir o distanciamento social”.
Os MP alertam ainda que a dispensa de trabalhadores indígenas, em face da pandemia de covid-19, pode “configurar ato discriminatório, vedado em lei, com a possibilidade da aplicação de sanções penais, além da proibição de obtenção de financiamentos”.
Por isso, também foi recomendado à empresa que “se abstenha de rescindir os contratos de trabalho de indígenas, ou de considerar as ausências ao trabalho, em função da pandemia do novo coronavírus, como razão para sanções disciplinares ou o término da relação de trabalho”.
A recomendação foi expedida a partir de representação recebida de lideranças das terras indígenas Nonoai e Serrinha, na qual afirmavam haver diversos indígenas trabalhando em empresas do ramo de frigoríficos no RS e em SC, inclusive do Grupo JBS, já havendo casos confirmados de covid-19 em ambas as terras.
Na representação, os indígenas relataram que sofreram ameaças de demissão por justa causa por uma das empresas do ramo, caso não comparecessem ao trabalho.
Edição: Rel UITA