Mundo | PLÁSTICOS | SAÚDE

Plásticos e doença

Crônica de uma civilização autoimune

Carlos Amorín

22 | 7 | 2025


Foto: Gerardo Iglesias

Há épocas históricas nomeadas por seus materiais: a Idade da Pedra, do Bronze, do Ferro. Hoje vivemos a Idade do Plástico. Não apenas pela onipresença desse material em todos os cantos da vida cotidiana, mas porque, como afirma um recente relatório da Science and Environmental Health Network (SEHN), dos Estados Unidos, transformamos radicalmente nossa relação com o planeta a ponto de deixar uma marca plástica nos estratos geológicos.

Ao período atual chamamos de Antropoceno, mas talvez devêssemos chamá-lo de “Plastilina” — uma era em que os resíduos da nossa “modernidade” se infiltram na terra, na água, no ar e em nossos próprios corpos.

O plástico, símbolo do progresso do século XX, tornou-se um dos agentes mais insidiosos de doença do século XXI. Não apenas por ser visível — sacolas nos oceanos, embalagens cobrindo praias ou lixões crescendo como cidades —, mas porque também se tornou microscópico, invisível, inevitável.

Os microplásticos e nanoplásticos (MNP) já estão dentro dos nossos pulmões, nossos intestinos, nosso sangue, até mesmo na placenta humana. E com eles viajam milhares de substâncias químicas, muitas tóxicas, algumas cancerígenas, outras disruptoras dos sistemas hormonal, reprodutivo e imunológico.

Convivendo com o inimigo

A magnitude do problema é avassaladora. O plástico não apenas não desaparece — ele se fragmenta infinitamente, infiltrando-se como poeira tóxica no ciclo da vida. Já não é exagero dizer que comemos plástico, respiramos plástico, parimos plástico. E, o que é ainda mais alarmante: ninguém sabe ao certo quanto dano ele está causando. Não por falta de indícios. Eles existem — e são contundentes.

Estudos em animais e humanos associam a exposição aos MNP com obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares, problemas reprodutivos, inflamação crônica, câncer de cólon e de mama. Mas a ciência, atolada na complexidade química do fenômeno e em protocolos muitas vezes destituídos de bom senso, ainda não consegue afirmar exatamente quanto plástico é necessário para adoecer. E sem “certezas quantificáveis”, a máquina do poder econômico sente-se livre para continuar produzindo.

É necessário esperar provas irrefutáveis de dano em massa para agir? Ou basta a evidência existente, como nos casos do amianto, do chumbo ou dos PCB, para aplicar o princípio da precaução?

Ted Schettler, diretor científico da SEHN, não tem dúvidas: já perdemos essa chance. A contaminação já é global, persistente e crescente. A produção de plástico vai dobrar ou triplicar até 2050. A reciclagem, por sua vez, é uma ilusão: menos de 10% do plástico global é efetivamente reciclado. E mesmo esse processo gera mais microplásticos. O mito da reciclagem serviu durante décadas para adormecer consciências, garantir lucros e esquivar-se de responsabilidades.

Filhos de P...etróleo

O negócio do plástico está profundamente entrelaçado com a indústria petroquímica. São, em grande parte, os mesmos atores. E esses atores têm nomes, países, governos. Não por acaso a recente cúpula da ONU na Coreia do Sul fracassou em sua tentativa de estabelecer um tratado vinculante para frear a contaminação plástica.

Entre os países de “alta ambição”, que querem limitar a produção, e os de “baixa ambição”, que preferem continuar vendendo a fantasia da reciclagem, venceram os interesses dos petroestados. A próxima reunião, em agosto de 2025, em Genebra, será uma nova oportunidade para comprovar se a humanidade escolhe a vida... ou os dividendos.

Mas nem tudo é paralisia. Existem tentativas — algumas locais, outras regionais — de conter o desastre. A União Europeia impôs limites ao desgaste dos pneus, um dos maiores emissores de microplásticos. Vários países proibiram os microplásticos adicionados a cosméticos.

Alguns estados dos Estados Unidos promovem leis de Responsabilidade Estendida do Produtor (REP), obrigando as empresas a se responsabilizarem por seus produtos ao fim da vida útil. São passos na direção certa, mas totalmente insuficientes diante de um problema sistêmico.

Porque isso não se resolve com consumidores mais conscientes nem com campanhas de separação de resíduos. É necessária uma transformação estrutural: redesenhar materiais, eliminar aditivos tóxicos, reduzir drasticamente os plásticos descartáveis e diminuir a produção global de plástico. Todo o resto é maquiagem ecológica. É greenwashing.

Pode vestir de seda...

Os novos rótulos também confundem mais do que esclarecem. “Bioplástico” não significa biodegradável nem inofensivo. “Compostável” só é sob condições industriais muito específicas. A maioria dos produtos assim rotulados termina se fragmentando da mesma forma, tornando-se novas fontes de microplásticos. Europa e Califórnia já restringem o uso enganoso desses termos. É urgente que mais países façam o mesmo

No fundo, o que está em jogo é um modelo de desenvolvimento que prioriza a rentabilidade de curto prazo em detrimento da saúde coletiva. Não é coincidência que doenças como obesidade, câncer precoce, infertilidade ou distúrbios do neurodesenvolvimento estejam em ascensão. A ciência ainda não pode (ou não quer) estabelecer uma causalidade absoluta, mas os padrões populacionais são eloquentes. E como já advertiu René Dubos em 1961: “Cada civilização cria suas próprias doenças”. A nossa criou as suas com plástico.

Diante desse diagnóstico, a pergunta é política, não técnica: temos vontade de agir? Ou continuaremos sacrificando seres humanos e ecossistemas em nome do conforto e do consumo descartável? A “era Plastilina” não é apenas uma categoria geológica. É um alerta. E um espelho.