Os dez primeiros casos de contaminação por coronavírus na Reserva Indígena de Dourados (MS) vieram da fábrica da JBS na região, de acordo com o cacique Gaudêncio Benites, da etnia Guarani e líder da aldeia Bororó.
Os indígenas contaminados, que transitaram pela aldeia Bororó em seus horários de folga, trabalham na fábrica da JBS e começaram a apresentar os sintomas iniciais na primeira semana de maio. Eles foram testados pela empresa e obtiveram a confirmação do contágio.
A aldeia encontra-se em estado de transmissão comunitária, com aproximadamente trinta indígenas apresentando sintomas de Covid-19. Embora os trabalhadores tenham sido testados pela empresa, seus familiares não foram. Também não há, de acordo com o líder indígena, apoio aos doentes e às famílias por parte da JBS.
Segundo Gaudêncio, há 9 mil indígenas vivendo na aldeia Bororó — a maioria, da etnia Guarani Kaiowá. Entretanto, o número de indígenas em risco de contaminação é ainda maior, já que não existe um limite físico para a aldeia vizinha, a Jaguapiru, cuja maioria é da etnia Terena. Juntas, as aldeias que compõem a Reserva Indígena Dourados somam uma população de 19 mil indígenas.
Quando saíram os resultados dos exames, os indígenas contaminados foram isolados na Casa de Saúde Indígena (Casai) de Dourados, mantida pelo Ministério da Saúde, mas o vírus já havia se espalhado pela aldeia.
A Casai ficou rapidamente superlotada, e agora a prefeitura e a Diocese de Dourados estão preparando um salão para isolar os outros indígenas sintomáticos.
De acordo com notícia publicada por um veículo de comunicação local, a JBS doou cestas básicas, itens de higiene pessoal e equipamentos de proteção individual para a Secretaria Municipal de Saúde, mas não há dados a respeito de doações aos indígenas nas aldeias, e nem de assistência aos trabalhadores contaminados e suas famílias.
A reportagem entrou em contato com a JBS, mas não obteve resposta.
No dia 14, a empresa emitiu uma nota sobre o primeiro caso de uma mulher indígena com Covid-19 no município, uma funcionária do frigorífico, moradora da reserva. Os demais trabalhadores indígenas, segundo a JBS, foram afastados após o diagnóstico positivo.
“Os protocolos estão definidos e elaborados pensando na rotina de nosso colaborador em cada etapa do processo”, divulgou a empresa. “A disciplina na execução é fundamental para o sucesso das ações propostas”.
Com o aumento do número de casos, os indígenas criaram barreiras sanitárias em quatro entradas da aldeia Bororó. A entrada e saída de indígenas está restrita apenas a casos mais urgentes e necessários, e está vetado o acesso de vendedores ambulantes, entregadores e prestadores de serviços.
Mesmo com as barreiras, o controle da movimentação na aldeia ainda é limitado, pois existem seis entradas sem monitoramento. E a aldeia vizinha Jaguapiru ainda não criou seus bloqueios. “Como agora estamos em situação de transmissão comunitária, queremos pedir apoio do Exército para controlar as entradas”, diz Gaudêncio.
O líder indígena preocupa-se com a velocidade de transmissão do vírus, e com as fake news que fazem parte da rotina de muitos moradores: “Tem muita gente que não acredita no perigo do coronavírus. O índice de contágio está crescendo, não estamos preparados para isso, mas estamos encarando como a gente pode”.
Não há máscaras e equipamentos de proteção individual suficientes para toda a população. Com o isolamento, há o risco de segurança alimentar na aldeia. “São 19 mil indígenas que estão precisando de máscaras, equipamentos de proteção individual, itens de higiene e alimentos”, relata Gaudêncio.